quarta-feira, 19 de novembro de 2008

A Teologia da Libertação

Falar sobre a Teologia da Libertação é um tanto controverso, uma vez que os representantes católicos e protestantes alicerçam sua ideologia no pensamento marxista declaradamente materialista. Mas foi um movimento eclesiástico que muito influenciou o pensamento religioso, muito mais a Igreja Católica e, de certa forma, algumas confissões protestantes. Cumpre citar que esta mudança radical para a esquerda não encontrou lugar entre os protestantes da maneira como foi com os católicos. Pelo contrário, entre batistas e presbiterianos os teólogos da libertação têm pouca, ou nenhuma aceitação. Embora a hierarquia metodista estivesse aberta aos teólogos de esquerda, as igrejas acabaram por resistir. Em alguns episódios, católicos e protestantes se irmanaram nos ideais libertários, mas foi um movimento que foi conduzido basicamente pela igreja romana.

1. As Origens da Teologia da Libertação:

A Teologia da Libertação não surgiu num momento especifico, mas foi o desenvolvimento de algumas ações iniciais da própria igreja católica, somados ás mudanças do pensamento teológico, tanto entre os católicos e os protestantes, até mesmo pela mudança de postura da liderança papal acerca da estrutura dos serviços da igreja onde a participação dos leigos se fez notória. Em 1920 a Ação Católica foi fundada em Cuba, em 1930 na Argentina e em 1935 no Brasil. Era uma forma de envolver o laicato nos serviços da igreja, antes exclusivos ao clero, o que veio a acontecer de forma paulatina, culminando com o envolvimento de centenas de milhares de estudantes e trabalhadores nas décadas de 50 e 60 do século passado, notando-se nessa época um envolvimento com os movimentos integralistas (tendências marxistas). Em meados da década de 60 a Ação Católica morreu, mas sua influência foi determinante para o que viria a ser a Teologia da Libertação e o trabalho das Comunidades Eclesiais de Bases (CEBs).

Outros fatores foram contribuindo ao longo do tempo para a preparação do pensamento libertário. Em 1891, o papa Leão XIII editou a primeira enciclica social, denominada Rerum Novarum, onde se condenava o uso destrutivo ou egoista das riquezas e uma chamada de atenção para a generosidade dos ricos para com os pobres. Quarenta anos depois, o papa Pio XI lançou a enciclica Quadragesimo Anno, reiterando as idéias da enciclica anterior e um certo apoio ao socialismo e condenação á vida industrial moderna. Posteriormente, o papa João XXIII produziu duas enciclicas sociais importantes, Mater et Magistra (1961) e Pacem in Terris (1963), onde chamava os católicos á responsabilidade para com os pobres do mundo, de longe uma atitude caridosa, mas a busca da justiça social através de um esforço ativo e cooperativo que permita a todos a participação dos frutos da produção. Já no Concilio Vaticano II (1962-65), em seu documento Gaudim et Spes ( A Igreja no Mundo Moderno), o socialismo aparece como uma “possibilidade” para a solução das desigualdades sociais, além de um reforço nas novas direções sociais alavancadas pela ireja católica, principalmente para a América Latina. Mas foi a Conferência de Medellin dos bispos Latino-Americanos (II CELAM), em 1968, que se corporificou as idéias contidas no Concilio Vaticano II, tratando já dos temas da libertação, mas ainda não era a Teologia da Libertação. Indo além do Vaticano II de modo significante no seu entendimento da função e missão da igreja no mundo, os bispos denunciaram a extrema desigualdade entre as classes sociais, o uso injusto do poder por autoridades dominantes e insenciveis, o sistema internacional de dependência através da sua distorção exploradora do comércio, e a violência institucionalizada através de uma deficiência estrutural da industria e da agricultura, ou da economia nacional e internacional, da cultura e da vida politica. Foram adotadas as teorias pedagógicas libertadoras de Paulo Freire. Os oprimidos devem ser os sujeitos da sua própria autodeterminação, libertados das servidões culturais, sociais, econômicas e politicas que se opõem ao desenvolvimento humano. O II CELAM foi mais descritivo do que analitico, não chegando aos mecanismos de opressão e não determinando a maneira como seus alvos seriam alcançados tanto na sociedade, como na igreja.

Em abril de 1972 foi realizado em Santiago, Chile, o Primeiro Encontro Latino Americano de Cristãos para o Socialismo, com o apoio do próprio presidente chileno Salvador Allende Gossens, que era socialista. Este encontro foi caracterizado pelo radical envolvimento com o socialismo, não crendo em mudanças dentro dos padrões cristãos, mas apenas nas ferramentas do marxismo, na luta de classes e na revolução, não necessariamente violenta. No III CELAM, realizado em Puebla, México, houve uma avaliação e um retrocesso das implicações de Medellin. Concomitantemente, os protestantes organizaram o Movimento de Iglesia y Sociedad en América Latina (ISAL), que mantinha relações com os socialistas católicos. Entre 1961 e 1969, houve um despertamento dos protestantes para a causa libertadora com a reunião da Segunda Conferência Evangélica de Latino-Americanos (II CELA) em Lima, Peru e a terceira reunião em Buenos Aires, Argentina, através das atividades do ISAL. As duas conferências sinalizaram a mudança em direção a uma nova visão da realidade social, manifestaram uma consciência geral do subdesenvolvimento e a necessidade de mudanças estruturais diante da opressão e um comprometimento com a liberdade e a justiça. O III CELA, alinhado com a conferência católica de Medellin, houve uma identificação das origens do subdesenvolvimento como sendo a dependência econômica do ocidente e a elite nacional que produz a exploração. Após o III CELA, os protestantes tradicionais delinearam três novas direções na sua atuação: o reconhecimento da situação revolucionária e das exigências justas dos oprimidos; a afirmação de que o evangelho não se refere apenas á vida pessoal, mas também ás próprias estruturas da sociedade; e como consequência, a possibilidade do comprometimento revolucionário dos cristãos. na reunião de Nanã, Peru, em 1971, houve a indicação de que o movimento ainda elitista deveria tornar-se um movimento identificado plenamente com o povo na inevitabilidade da luta politica. O nome Teologia da Libertação, que veio identificar esse movimento que já estava acontecendo tanto com os católicos como com os protestantes, surgiu através da publicação do livro Teologia de la Liberacion (1973), do católico peruano Gustavo Gutierrez.

2. O Contexto do Surgimento e as Idéias da Teologia da Libertação:

A Teologia da Libertação é um movimento relacionado com os problemas estruturais da sociedade latino americana. Como já foi demonstrado anterioemente, a Igreja Católica apontava nas suas enciclicas e mesmo em sua estrutura emergente do Concilio Vaticano II, uma tendência para solução dos problemas sociais e também uma maior participação do laicato nos serviços eclesiásticos, mesmo porque havia uma discrepância entre o número de sacerdotes em relação á população. Somados a isso, a influência do pensamento marxista no seio da igreja, juntamente com a secularização do pensamento teológico, tanto católico como protestante, notadamente sob influência socialista, levou a uma preocupação dos teóricos com os problemas sociais verificados na América Latina. Num primeiro momento, a análise busca identificar os desajustes sociais verificados, mas num momento posterior, já amadurecido, verificou-se que as desigualdades eram resultado não de um subdesenvolvimento cultural ou étnico, mas da ação exploradora das nações capitalistas sobre as nações do Terceiro Mundo. A dominação não se efetivava mais somente pela politica ou pelo poderio militar, mas também pelas transações comerciais que criavam uma dependência das nações pobres pelas ricas. Também uma dominação ideológica, onde a nação dominadora procurava rebaixar o conceito sociocultural dos dominados, levando-os a uma negação das suas origens históricas, impondo o padrão do dominador como superior. Essa ideologia fazia com que as nações exploradas perdessem sua identidade nacional, no sentido de que sua herança histórica não era possivel para o alavancamento do progresso, mantendo o estado de dependência. Portanto, a dominação não era apenas externa, através das relações comerciais e financeiras, mas também interna, no condicionamento a dominação das nações do Terceiro Mundo. O desejo libertário que se manifesta entre os teólogos busca estabelecer relações entre as verdades reveladas na Biblia e as idéias marxistas. O Êxodo e Cristo são os emblemas da libertação, são arquétipos do desejo e possibilidade libertadora social. Mais atrelado ás idéias marxistas do que ao evangelho, os teólogos da libertação procuram interpretar as verdades biblicas dentro do momento histórico em que eles se situam, havendo uma liberdade individual para tal, desprendida muitas vezes do sentido exegético da palavra, como diz Leonardo Boff, é a exegese social, isto é, os textos biblicos são contextualizados ou mesmo utilizados dentro da tendência libertadora social necessária para determinada comunidade ou mesmo nação. Faz-se uso da palavra de forma dinâmica, pois esta não é mais uma verdade estabelecida, mas relacionada ao momento e necessidades em que é aplicada, levando necessariamente á revolução. A teologia deixa de ser um exercicio intelectual de elite e passa a fazer parte do cotidiano do teólogo e das pessoas, dentro da postura revolucionária marxista, não há lugar para uma teologia puramente especulativa, mas que se relaciona com as realidades sociais. Também deve levar a um despertamento do individuo e da coletividades acerca do seu papel transformador numa sociedade dominada pelo capital. Paulo Freire destaca-se neste sentido com sua pedagogia libertadora, onde o ensino é feito dentro do contexto do aluno, trazendo uma identidade entre a matéria ensinada e o mundo a que ele pertence. Também deve levá-lo a uma consientização da desigualdade social. Neste ponto, a experiência inicialmente existencialista, passa para a coletiva ou social, isto é, entende-se como individuo pertencente a um contexto sócio-econômico e social, num determinado momento histórico, e sua prática como parte de uma coletividade que pode e deve buscar, através de sua liberdade, transformar seu entorno. Nota-se, portanto, uma libertação na interpretação e aplicação das outroras verdades eternas reveladas na Biblia e também uma liberdade individual para partir á transformação social.

3. As Comunidades Eclesiais de Bases (CEBs):

As indicações do Concilio Vaticano II sobre a participação do laicato nos serviços da igreja, a grande diferença verificada entre o número de sacerdotes católicos e as necessidades reais da comunidade (problema crônico da Igreja Católica), reforçado pelo aumento significativo da população urbana, além da prática teológica da Teologia da Libertação contribuiram para o funcionamento das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs); mas suas origens devem-se as ligas dos camponeses do nordeste brasileiro, os estudos biblicos em grupo através do Brasil e os cursinhos de cristandade. Devido a esta variedade de origens das CEBs, o próprio trabalho desenvolvido por elas acaba tomando ênfases diferentes, havendo grupos para evangelização, para reflexão, para estudos biblicos, para promoção e conscientização das comunidades, grupos de jovens ou vizinhança etc. As CEBs geralmente são formadas por grupos de 10 a 15 familias de uma vizinhança, valorizando a participação individual no grupo, promovendo assim o crescimento do individuo, sua conscientização, sua reflexão sobre os problemas familiares, educação, saúde, os problemas que afetam a comunidade, a cidade, a nação. Toda essa prática resulta num aumento da comunhão do grupo, tornando as pessoas cúmplices das realidades umas das outras, aptas a agir de forma transformadora dentro das comunidades, concordando com o principio libertário do individuo e do grupo. oS estudos biblicos realizados nas CEBs além de proporcionar a evangelização e o crescimento espiritual das pessoas, também direcional as reflexões do grupo frente aos problemas sociais e norteiam as ações transformadoras. O que se nota, é que as CEBs são os núcleos através dos quais se cria, cresce e faz Teologia da Libertação, pois das massas desfavorecidas da sociedade é que brotam as ações libertadoras, não se espera que as ações venham de uma elite politizada, mas se faz politica, se faz comunhão dentro dessas comunidades. Na década de 70, aproximadamente 70.000 CEBs estavam cadastradas no Brasil, o que proporcionava a participação de cerca de 4.000.0000 de pessoas. Portanto, através desse trabalho envolvente do católico, suas convicções religiosas eram firmadas e a ideologia da Teologia da Libertação era propagada, de forma que ainda hoje, quando esse movimento foi banido da Igreja Católica, ainda muita ação libertadora se manifesta, muitos católicos ainda têm posturas libertárias e as CEBs vieram concretizar aquilo que estava esboçado no Concilio Vaticano II sobre a participação do laicato nas atividades Eclesiais. Ainda uma caracteristica das CEBs foi sua independência do catolicismo tradicional, quer o institucional, quer o folclórico, através de uma maior valorização dos lideres locais em relação aos sacerdotes.

4. As Relações da Teologia da Libertação Com a Teologia Negra:

A Teologia Negra foi um movimento que surgiu no meio protestante norte-americano como uma reação dos negros contra o racismo. James H. Cone, catedrático de teologia no Seminário Teológico “Union” em Nova Iorque, foi um dos seus idealizadores. Ao reescrever os pontos tradicionais da teologia sistemática para o negro norte-americano, Cone vê a teologia cristã como a teologia da libertação, a teologia como um estudo racional do divino Ser no mundo á luz da situação existencial de uma comunidade oprimida, relacionando as forças da libertação á essência do evangelho que é Jesus Cristo.

A Teologia da Libertação foi um movimento ligado á realidade de dominação colonialista da América Latina pelo imperialismo capitalista, enquanto a Teologia Negra foi da dominação racial dos negros norte-americanos pelos brancos. Apesar de ambas proporem a libertação, a primeira era norteada pelas idéias marxistas, fato que a distância da Segunda que repudia tais idéias. Ambas trabalham na questão da conscientização, a Teologia Negra conscientizando o negro do seu valor dentro de uma sociedade de dominação branca, não procurando levar os brancos a um reconhecimento dos negros, mas destes em alcançarem, através de seus esforços, sua posição dentro de uma sociedade segregacional. Ainda estabelecendo uma relação entre ambas, a desumanização é um elo que liga os problemas enfrentados pelas duas teologias, a latino-americana vem pela privação e a negra pela desidentização, a primeira destruindo a identidade pessoal ao desvalorizar as pessoas até ficarem socialmente oprimidas, a Segunda ao desvalorizar as pessoas em “não-brancas”. Um dos expoentes de maior destaque da Teologia Negra foi o pastor batista Martin Luther King Jr., que promovia um protesto racial espontâneo através da resistência passiva. Na primavera de 1966 surge o Poder Negro, através de Stokely Carmichael.



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