quarta-feira, 19 de novembro de 2008

Os Manuscritos Biblicos e Como Chegaram Até Nós

MANUSCRITOS

Fala-se em “Manuscritos originais”, quando, de fato, entre todas as sagradas escrituras não existe original algum, nem do Velho nem do Novo Testamento. Quando uns se tornaram velhos foram copiados, e os originais enterrados ou queimados pelos próprios amigos da Palavra de Deus. Outros foram destruídos pelos inimigos durante as guerras e perseguições que o antigo povo de Deus sofria de tempos em tempos. Mesmo quando o Novo Testamento foi escrito, parece que os documentos não existiam mais. Conseqüentemente, quando a Bíblia completa foi compilada pela primeira vez, constituiu em cópias hebraicas do Velho Testamento-junto com uma tradução grega conhecida por Septuaginta, que significa setenta, porque foi feita por setenta homens. Na perda dos manuscritos originais, podemos ver a providência de Deus, porque, se fossem existentes hoje em dia documentos originais da letra de Moisés, Davi, Isaias, Daniel, Paulo ou João, o coração humano é tão suscetível á superstição, que seriam eles adorados, como foi à serpente de metal nos dias de Ezequias (II Reis 18:4), anulando assim o seu propósito. A falta dos originais não nos deve assustar, porque há milhares de manuscritos gregos e hebraicos copiados dos originais, espalhados pelo mundo. Estes manuscritos datam desde a primeira metade do segundo século, data dos papiros mais antigos, e do quarto século para os unciais, escritos em letra maiúscula sobre pergaminho (pele de cabrito especialmente preparada). Quando as primeiras Bíblias foram impressas havia mais de 2.000 destes manuscritos. Hoje, existem muitos milhares. Este número é suficiente para estabelecer a genuinidade e a autenticidade da Bíblia. Existência dum livro antigo pode ser provada por muitas maneiras fora do original. Por exemplo, as referências a ele, as suas citações, as paráfrases, as narrações dele, os catálogos em que o livro esteja mencionado, as suas traduções e versões; os argumentos contra o seu ensino e as cópias existentes provam que tal livro existia. Podemos verificar a idade dum manuscrito: 1) pela forma da letra em que está escrito; 2) pela maneira que as letras estão ligadas umas com as outras; e 3) pela simplicidade ou ornamentação das letras iniciais. Há ainda outro método, chamado Criticismo Textual, que procura estabelecer a idade de genuidade dos manuscritos em relação ás versões e ás obras dos anciãos das igrejas cristãs durante os primeiros séculos, pois estes citaram muitos textos das Escrituras. Os mais antigos manuscritos gregos são escritos em letras maiúsculas e quadradas, e todas as palavras em cada linha estão ligadas para poupar espaço. Achamos um exemplo desta ligação de palavras no versículo 11, do capitulo 53 de Isaias, na edição Almeida de 1913 e 1916: Às vezes, quando o copiador julgou que na linha não cabiam todas as letras grandes, começou a diminui-las assim: Porque Deus Amou. Estes manuscritos são chamados Unciais. Os três mais velhos destes, pela providência de Deus, se acham ao cuidado de três ramos do cristianismo: o grego, o romano e o protestante. Um, o Sinaitico (conhecido como o Códex Alfa), está na biblioteca em Leningrado, como possessão da igreja Católica Grega, outro, o Vaticano (conhecido como o Códex B), pertence á Igreja Católica Romana, e se acha atualmente na biblioteca do Vaticano, em Roma. Outro, o Alexandrino (conhecido como o Códex A), está no Museu Britânico, em Londres. A história destes manuscritos é muito interessante.


O MANUSCRITO VATICANO

Está escrito na língua grega e data do século IV. É o mais antigo conhecido no mundo. Por mais de 1.500 anos este manuscrito tem estado no mundo e é uma prova inegável de que, se a nossa Bíblia fosse uma invenção humana, teria sido falsificada antes do século IV, quando este manuscrito foi produzido. É uma obra de 4 volumes, com 700 páginas, e está escrita em três colunas na página, e contém quase a Bíblia inteira. Os livros são arranjados na seguinte ordem: Gênesis a II Crônicas; Esdras I e II; Salmos, Provérbios, Eclesiastes, Cantares de Salomão, Jó, Sabedoria, Siraque, Ester, Judite, Tobias; os doze profetas: Isaias, Jeremias, Baruque, Lamentações, Daniel; os Evangelhos; Atos Epistolas Católicas, Romanos, I e II Coríntios, Gálatas, Efésios, Filipenses, Colossenses, I e II Tessalonicenses e Hebreus. Dos livros da Bíblia que agora temos, faltaram a estes manuscritos os de I e II Timóteo, Tito, Filemon e o Apocalipse. O cristianismo estava privado do conhecimento da forma da letra deste manuscrito até que o Papa IX mandou tirar alguns fac-símiles.


O MANUSCRITO SINAITICO

Está em forma dum livro e cada página contém quatro colunas, exceto os livros poéticos do Velho Testamento, os quais têm somente duas. Não podemos deixar de contar por extenso a história do seu descobrimento. O Dr. Tischendorf, sábio alemão, muito famoso pela sua devoção á procura e ao estudo de manuscritos antigos da Bíblia, visitou o Convento de Santa Catarina, perto do monte Sinai, em 1844, quando descobriu este valioso documento. Todos que amam a Bíblia são devedores a ele por este grande descobrimento. No corredor do convento estava uma cesta cheia de folhas de pergaminho, pronta para serem atiradas ao fogo, e ele foi informado de que mais duas cestas já tinham sido queimadas. Ao examinar o conteúdo da cesta ficou surpreendido em encontrar folhas de pergaminho do Velho Testamento em grego, as mais velhas que ele tinha visto. Não pôde ocultar a sua alegria e foi-lhe permitido levar umas 43 folhas, mais ou menos. Ainda que as folhas fossem destinadas ao fogo, a sua alegria levantou suspeitas nos frades, e eles julgaram que, talvez, os manuscritos fossem mui valiosos e não consentiram que levasse mais. O Dr. Tischendorf depositou a porção das folhas na biblioteca real, em Leipzig, e deu-lhe o nome de “Códex Frederico Augustus”, em reconhecimento do patrocínio do rei da Saxônia. No ano de 1859 voltou mais uma vez ao convento, mas desta vez com uma comissão do imperador da Rússia. A sua visita estava a concluir-se sem resultado, quando, na véspera da sua partida, passeando na chácara com o despenseiro do convento, este o convidou a tomar uma refeição na sua cela. Enquanto estavam conversando, o frade puxou um embrulho enrolado em pano vermelho, que continha não somente alguns fragmentos vistos na primeira visita, mas ainda outras partes do Velho Testamento e o Novo Testamento completo, junto com alguns outros escritos. Mais tarde, por influência do imperador, o manuscrito foi obtido do convento e levado á biblioteca imperial em Leningrado, e tornou-se o mais precioso tesouro da igreja Grega.


O MANUSCRITO ALEXANDRINO

Assim foi chamado porque fez parte da biblioteca em Alexandria. Foi também escrito em grego e data do século IV. É composto de quatro volumes e tem duas colunas em cada página. Foi ofertado por Cyrilo Lucar, patriarca de Constantinopla, ao rei Charles I da Inglaterra em 1628. E acha-se atualmente no Museu Britânico, em Londres. Contém a Bíblia inteira, exceto os seguintes trechos: Gênesis 14:14 a 17; 15:1 a 5, 16 a 19; 16:6 a 9; I Reis 12:18 a 14:9; Salmos 49:20 a 70:11; Mateus 1:1 a 25:6; João 6:50 a 8:52; II Coríntios 4:13 a 12:7.

O Códex de Efraim

Há mais um manuscrito de importância que merece menção. É o do século V, e é conhecido como o Códex de Efraim. Está na biblioteca de Paris. É descrito como o “Códex rescripto”, porque tem evidências de Ter sido escrito duas vezes, uma por cima da outra. O escrito original foi apagado para receber uma tradução grega ou algumas palavras de Efraim, o Sírio. No ano de 1453 passou para D. Catarina de Médicis, e por sua morte ficou como propriedade da biblioteca Real Francesa. Naquele tempo o seu valor não era conhecido. Em 1734, o manuscrito foi submetido, com bom êxito, a um tratamento químico para intensificar as letras antigas. Este manuscrito contém porções do Velho Testamento e fragmentos de cada livro do Novo Testamento. 1

As Traduções da Bíblia

Quando falamos em manuscritos, referimo-nos ás cópias nas línguas originais e em traduções, ás cópias nas línguas vernáculas em que a Bíblia é traduzida. As traduções são necessárias, por três razões: 1) Nem todos os povos falam a mesma língua; 2) as línguas estão sempre se modificando; 3) a palavra de Deus tem estado espalhada em muitos paises, de modo que, para melhor propaganda, é necessário tê-la na língua própria do povo. Entretanto, compete-nos lembrar que as traduções não são inspiradas por Deus; porém servem como um testemunho da existência e autenticidade dos originais. Se não pudermos Ter as palavras exatas pelas traduções, ao menos teremos o sentido sem conflito qualquer de doutrina. Estamos agora mais interessados nas versões em português, mas será necessário estudarmos os diversos períodos porque a Bíblia tem passado antes de chegar a ser conhecida na bela língua lusitana.

A LXX

A mais antiga versão que existe é a Septuaginta. Esta é uma tradução livre, desviando-se em muitos lugares, da original hebraica. Foi feita em 285 antes de Cristo, provavelmente para os judeus que foram espalhados por todas as nações, uns 160 anos depois da volta de Neemias do cativeiro. Há muitas lendas acerca desta tradução: todavia, podemos dizer que foi a obra de setenta redatores em Alexandria. Sendo em grego, provavelmente, existia nos tempos de Jesus Cristo, mas não há evidência alguma de que ele ou os seus discípulos a usassem. Pelo contrário, é mais provável que Jesus falasse aramaico, salvo quando falou á mulher siro-fenícia (Mar. 7:6) em grego, afim de que ela o compreendesse. As palavras, nos Evangelhos que vêm a nós sem serem traduzidas são aramaicas: “Talita Cumi” (Mc. 5:41); “Eloi, lamá-sabactani” (Mc. 15:34). A Septuaginta tornou-se a base de muitas traduções. As outras traduções na língua grega que merecem menção são as seguintes: A versão de Áquila, um homem natural de Sinope, em Pontus, que se converteu do paganismo ao judaísmo. No século II ele procurou fazer uma tradução literal do texto hebraico. A versão de Teodotion, de Èfeso. Ele reviu a Septuaginta; e a versão de Symmachus de Samária. Tendo mencionado o manuscrito de Efraim no capitulo anterior, não podemos deixar de mencionar uma versão Siríaca, chamada o Peshito, que foi completa no século II, provavelmente antes de 150. Foi preparada para provas do seu uso entre os seus patrícios. No segundo século, o latim suplantou o grego e ficou sendo por muitos anos a língua diplomática da Europa. Ao longo da costa setentrional da África organizaram-se umas igrejas compostas de pessoas de língua latina. Para essas, foi preparada uma versão latina. A sua história e origem são desconhecidas. O Velho Testamento foi vertido da Septuaginta, e ao Novo Testamento faltavam os seguintes livros: Hebreus, Tiago e II Pedro. Tertuliano e os seus contemporâneos usaram-na livremente. Esta tradução foi à base da Vulgata, a qual se tornou a Bíblia autorizada da Igreja Católica Romana. Notar-se-á, pela comparação destas versões antigas, que existiam todos os livros do Novo Testamento, menos o de II Pedro, no século II.

A VULGATA

No ano 383, São Jerônimo era um dos mais sábios do seu tempo, sendo secretário de Damasus, Bispo de Roma; este o convidou para corrigir e melhorar a Bíblia latina, então em uso nas igrejas do leste. Aquele sábio completou a revisão do Novo Testamento. Depois da morte de Damasus, Jerônimo mudou-se para Belém, onde fundou um mosteiro. Ai no 80 ano de sua vida começou uma nova tradução do Velho Testamento, do hebraico para o latim. Esta é conhecida como a Vulgata, incluindo a apócrifa, e ficou sendo base de todas as traduções por mais de 1.000 anos. No concilio de Trento (1545-1547) foi proclamada autêntica, e um anátema foi pronunciado sobre qualquer pessoa que afirmasse que qualquer livro que nela se achava não fosse totalmente inspirado em toda parte. Concordando com a decisão do Concilio em Ter uma edição autorizada e uniforme, Sixtus V publicou um texto em 1590. Porém os seguintes livros apócrifos foram omitidos: 3 a 4 Esdras; 3 Macabeus e a oração de Manasses e estava tão corrompida por erros tipográficos e outros, que Clemente VII sentiu a necessidade de retirá-la da circulação e publicar uma edição melhor em 1592. Esta tem sido a Bíblia seguida pelos católicos romanos em todas as suas traduções. A Bíblia Douai e o Novo Testamento publicado em Reims foram traduzidos da Vulgata.

A RENASCENÇA

Depois de longos anos de eclipse intelectual, o mundo experimentou uma renascença que se estendeu por toda parte na Europa. Os estreitos limites geográficos desapareceram pelo descobrimento de novas terras, e este contato repentino com novos povos, novas crenças e novas raças revivificou a inteligência sonolenta. Quando a cidade de Constantinopla caiu nas mãos dos turcos em 1453, os gregos eruditos fugiram para as bandas da Itália, levando as suas ciências e letras. Escolas foram estabelecidas, e o povo italiano interessou-se mais nos manuscritos, do Oriente do que na sua própria arte de estatuária. Com a vinda da língua grega para a Europa, um desperta-mento verdadeiro apoderou-se dos centros educacionais, e estudantes de toda parte procuraram os mestres da língua antiga. E, antes do fim do século XV, pelo desenvolvimento da imprensa, todos os autores latinos tornavam-se acessíveis e todas as obras gregas foram publicadas antes de 1520. Conseqüentemente, novas visitas intelectuais se apresentaram e o mundo experimentou verdadeiramente um novo nascimento. Durante mil anos a Vulgata teve a aceitação universal da igreja, e a Teologia tornou-se tradicional; porém esta nova época forneceu a chave para dar origem aos Evangelhos e o Novo Testamento. A teologia mística da Idade Média foi suplantada pela nova ênfase dada á pessoa de Cristo como se encontra nos evangelhos. O Novo Testamento em grego, pelo erudito Erasmo, em 1516, desafiou as tradições e pôs de parte a Vulgata. Erasmo tinha um desejo ardente de deixar a Bíblia clara e inteligível a todos. Disse ele: “Quero que mesmo a mulher mais fraca leia os Evangelhos e as epistolas de Paulo. Queria-os traduzidos em todas as línguas, para que fossem lidos e compreendidos por todos mesmo pelos sarracenos e turcos. Porém o primeiro passo necessário é fazê-los inteligíveis ao leitor. Eu almejo o dia quando o lavrador recite para si mesmo porções (*) das Escrituras enquanto vai acompanhando o arado, quando o tecelão as balbucie ao ritmo da sua lançadeira e o viajante repasse o cansaço da sua viagem com os seus contos”. Esta era uma profecia verdadeira, a qual está sendo cumprida em nossos dias. Nesta época foi publicado um livro (*) em que o autor previu que no futuro a religião verdadeira teria o seu centro na própria família, assim como o grande princípio de tolerância religiosa, e também que essa religião fosse divulgada por polêmica e apologética, e não por violência nem insulto ás religiões alheias. Com o novo impulso intelectual, a tradução da Bíblia na língua vernácula tomou aspecto. Os sábios e os iletrados, os ricos e os pobres, os reis e os plebeus, os eclesiásticos e os leigos, todos ajudaram neste glorioso trabalho. Outro tanto pode ser dito do impedimento que todas essas classes impuseram a esta obra de fama. Não podemos, nestes estudos limitados, tratar minuciosamente de todas as importantes traduções, ainda que gostaríamos de apresentar vários fatos históricos concernentes a algumas delas que têm influenciado no desenvolvimento do cristianismo. Lembrar-nos-emos que a nossa incumbência é a Bíblia na bela língua portuguesa. Entretanto, não podemos passar sem mencionar apenas algumas traduções notáveis. Devido ás perseguições que obrigaram os reformadores a fugir dum país para outro, é dificílimo acertar em que parte do continente a renascença teve a maior influência. Em toda parte rompeu a Reforma, e o Novo Testamento de Erasmo serviu como base de muitas traduções. Na Inglaterra, Guilherme Tyndale começou a dar a Bíblia ao povo na sua própria língua. Sendo severamente perseguido, foi obrigado a fugir para Colônia, onde tudo estava caminhando bem, quando um padre odioso, procurando saber do seu trabalho, embriagou os impressores e aprendeu o segredo da empresa. De Colônia, Tyndale foi a Worms, onde a Reforma de Lutero estava progredindo. Ali completou a sua tradução em 1526. Os exemplares foram enviados á Inglaterra secretamente em peças de fazenda, sacas de farinha de trigo, etc. Porém os inimigos da Palavra de Deus, junto com os católicos fervorosos, iniciaram uma campanha para acabar com esta tradução, e o bispo de Londres comprou todas as cópias que pôde achar e queimou-as em St. Paul’s Cross, nessa cidade. Felizmente, ainda mais cópias emanaram pelo dinheiro das que o bispo comprou. Em outubro de 1536, Guilherme Tyndale foi traído, estrangulado e depois queimado na estaca pelos católicos romanos, que sempre se opuseram á leitura da Bíblia no vernáculo. Antes do último suspiro este grande reformador rogou: “Deus abre os olhos do rei da Inglaterra”. Aqueles que queimaram a Bíblia de Tyndale mal supunham que três anos depois o rei dissesse: “Em nome de Deus deixo a Bíblia ser espalhada entre o povo”. A nova tradução que ele fez circular foi conhecida como a Grande Bíblia, devido ao seu tamanho, e também como a Bíblia Encadeada, porque estava acorrentada aos bancos das igrejas, para maior segurança. Infelizmente, mais tarde o rei Henrique VIII proibiu a circulação das Escrituras; conseqüentemente a destruição de Bíblias pelos católicos era tremenda. As perseguições continuaram e alguns reformadores ingleses fugiram para Genebra, onde publicaram uma Bíblia, conhecida como a Bíblia de Genebra. Esta foi traduzida diretamente do grego e hebraico, e foi a primeira Bíblia inteira a ser dividida em versos e em que foram omitidos os livros Apócrifos. A história da Bíblia em inglês é de grande importância e interesse; porém não nos devemos desviar do nosso propósito de tratar do livro dos Livros em português. Deixemo-nos, então, voltar para o assunto. Menciono essas traduções inglesas para mostrar que tinham influência na Europa também.

A VERSÃO DE ALMEIDA

Até o último quarto do século XVI não havia versão alguma completa e impressa das Escrituras em português. A zelosa rainha D. Leonor, mulher de D. João II, tentou vulgarizar as Escrituras. Ela mandou traduzir e imprimir, em 1495, a expensas suas, a Vida de Cristo, que foi originalmente escrita na língua latina pelo Dr. Ludolfo, de Saxônia, e que continha muitas citações da Bíblia. Dez anos depois ela mandou publicar na língua lusitana os Atos dos Apóstolos e as epistolas universais de Tiago, Pedro, João e Judas. Esta nobre senhora faleceu em 1525, e por uma reação do clero essas obras desapareceram das bibliotecas. Uma segunda edição da Vida de Cristo foi publicada em 1554; porém esta teve a mesma sorte. Nesta época, organizaram-se diversas companhias comerciais para o desenvolvimento das várias colônias dos paises europeus. Entre esta, a Companhia Holandesa das Índias Orientais, que se organizou em 1602, cuja carta patente exigiu que cuidasse em plantar a igreja entre os povos e procurasse a sua conversão nas possessões tomadas aos portugueses nas Índias Orientais. Foi esta companhia que mais tarde patrocinou a revisão do Novo Testamento de João Ferreira de Almeida, em 1693. João Ferreira de Almeida nasceu em 1628 no local chamado Torre de Tavares, Portugal. Em 1642, encontrando-se na Indonésia, aceitou a fé da Igreja Reformada Holandesa pela profunda impressão que causou em seu espírito a leitura dum folheto espanhol. Desde o principio da sua conversão, mostrou a aptidão para o estudo eclesiástico. Ignoram-se as circunstâncias que o fizeram transportar-se á Batávia, onde se tornou muito ativo e zeloso no trabalho da evangelização, pregando nas línguas portuguesa, espanhola, francesa e holandesa. Durante a sua longa vida pastoral escreveu e publicou várias obras de caráter religioso, entre as quais sobressai a versão portuguesa da Bíblia. “Deixou completa a coleção de todos os livros do Novo Testamento, não logrando, porém, concluir tradução do Velho Testamento, que só chegou até o livro de Ezequiel, capitulo 48, versículo 21”. Ele foi casado, e teve uma filha e ainda um filho chamado Mateus. Faleceu em Batávia no segundo semestre do ano de 1691. Aos 16 anos Almeida iniciou sua obra de tradução do Novo Testamento, usando a versão italiana, francesa, espanhola e latina. Este trabalho perdeu-se. A tradução definitiva que foi publicada em 1681 foi feita diretamente do grego. Seguindo a versão holandesa como modelo, acrescentou os textos paralelos da (*) Escritura na margem, e, no principio de cada capitulo, pôs o sumário ou os artigos de que nele tratava. Em 1681, começou a publicação da Bíblia de Almeida pelo Novo Testamento. A primeira edição foi feita em Amsterdã, por ordem da Companhia Holandesa das Índias Orientais, para circular entre as igrejas evangélicas portuguesas, que esta companhia estabelecera nas suas feitorias asiáticas. Eis o titulo: “Novo Testamento, isto é, todos os sacrossantos livros e escritos evangélicos e apostólicos do Novo Concerto de nosso fiel Senhor, Salvador e Redentor Jesus Cristo, agora traduzidos em português pelo Padre (*) João Ferreira de Almeida, pregador do Santo Evangelho. Com todas as licenças necessárias. Em Amsterdã, pela viúva J.V. Somerem. Ano 1681”. No reverso do frontispício vem esta declaração: “Este SS. Novo Testamento é impresso por mandado e ordem da ilustre Companhia da Índia Oriental das Unidas Províncias, e com o conhecimento da Reverenda Classe da cidade de Amsterdã, revisto pelos ministros pregadores do Santo Evangelho, Bartolomeu Heynen, Johannes de Vaught”. O trabalho tipográfico continha muitos erros e o próprio autor revoltou-se contra a incapacidade dos revisores. Esta edição sofreu uma revisão completa feita por Almeida e dois pastores holandeses, terminada em 1691. Dois anos depois do falecimento de Almeida, isto é, em 1693, esta edição veio a lume em Batávia ás expensas da Companhia Holandesa das Índias Orientais. Eis aqui a cópia do seu titulo: “O Novo Testamento, isto é, todos os livros do Novo Concerto do nosso fiel Senhor e Redentor Jesus Cristo traduzido na língua portuguesa pelo reverendo Padre João Ferreira de Almeida, ministro pregador do Santo Evangelho nesta cidade de Batávia, em Java Maior. Em Batávia. Por João de Vries, impressor da ilustre Companhia, e desta nobrecidade. Ano 1693”. No reverso do frontispício lê-se o seguinte: “Esta Segunda impressão do SS. Novo Testamento, emendada, e, na margem, aumentada com os concordantes passos da Escritura Sagrada, á luz saiu por mandado e ordem do supremo governo da ilustre Companhia das Índias das Unidas Províncias na Índia Oriental e foi revista com aprovação da reverenda Consagração Eclesiástica da cidade de Batávia, pelos ministros pregadores do Santo Evangelho na igreja da mesma cidade, Theodorus Zas, Jacobus op den akker”. Estes revisores, sendo estrangeiros e incompetentes para rever a língua portuguesa, conseqüentemente fizeram consideráveis alterações, até mesmo desfigurando e corrompendo a beleza do original. O Saltério de Almeida foi publicado no livro da Oração Comum para uso das congregações da igreja Anglicana nas Índias Orientais, em 1695. Nesta época, o rei da Dinamarca, Frederico IV, interessou-se em desenvolver no Oriente o conhecimento das Escrituras Sagradas, e pelo seu patrocínio foi estabelecido o trabalho em Tranquebar, aonde foram muitos missionários célebres. Para este trabalho foi publicada, em Amsterdã, uma 3 EDIÇÃO DO Novo Testamento de Almeida, ás expensas da Sociedade Propaganda do Conhecimento Cristão, em 1712. Os revisores são desconhecidos. Nesta edição desapareceram os sumários dos capítulos. Esta sociedade de Londres, reconhecendo a inconveniência e a despesa de fazer imprimir a Palavra de Deus na Europa para o uso da propaganda na Ásia, resolveu estabelecer uma oficina tipográfica em Tranquebar, encarregando-se os missionários dinamarqueses da direção da mesma. Deus estava, certamente, cuidando da impressão da Bíblia portuguesa, porque no transporte do material houve uma evidência da sua intervenção. “O material da tipografia foi embarcado em um navio da Companhia Holandesa, para ser transportado ao seu destino. A saída do Rio de Janeiro, onde arribara, foi este navio apressado pela esquadra francesa, que se apoderou de todo o carregamento, voltando o navio ao poder da companhia armadora a troco de avultado resgate. Por circunstâncias absolutamente inexplicáveis e que muitos têm por miraculosas, os volumes que continham o material tipográfico foram encontrados intactos no fundo do porão, e no mesmo navio continuaram a viagem para Tranquebar”. Com a chegada do material, alguns dos missionários se ocuparam na tradução da Bíblia e publicaram periodicamente diversas partes das Escrituras. Pela intervenção amigável de Theodoro Van Cloon, um oficial holandês em Batávia, receberam eles os originais (Gen. - Ez. 48:21) de Almeida em 1731. Quando o Sr. Cloon foi nomeado governador de Negapatão, interessou-se na obra da tradução pelos missionários dinamarqueses e prometeu mandar-lhes a versão de Almeida logo que chegasse á Batávia para ocupar o seu novo cargo, o que efetivamente fez no ano seguinte. Com os manuscritos, ele mandou a quantia de oitocentos escudos para ajudar nas despesas da impressão. Ao ouvir que existiam os manuscritos de Almeida, apressaram-se em traduzir os profetas menores para que pudessem publicar a Bíblia completa; porém, ao receber os originais, repararam que a revisão do mesmo seria muito demorada, razão porque publicaram os Profetas Menores só em 1732. Saiu esta obra em Tranquebar, com este titulo: “Os doze profetas menores, convém saber: Oséias, Joel, Amós, Obadias, Jonas, Miquéias, Naum, Habacuque, Sofonias, Ageu, Zacarias, e Malaquias. Com toda diligência traduzidos na língua portuguesa pelos padres missionários de Tranquebar, na oficina Real Missão de Dinamarca. Ano de 1732”. Foram publicados os demais livros do Velho Testamento na seguinte ordem: Os livros históricos- Josué a Ester- em 1738, revistos de acordo com o texto original pelos missionários holandeses de Tranquebar. Em 1740, saíram os Salmos, revistos e conferidos com os livros históricos de 1738. Quatro anos depois, foram publicados os livros dogmáticos – Jó a Cantares de Salomão. Em 1751, saíram os quatro profetas maiores – Isaias a Daniel. Os três primeiros, por Almeida, e o quarto, por Cristóvão Theodósio Walther. Simultaneamente, em Batávia estava sendo publicado o Velho Testamento, traduzido por Almeida, até o final de Ezequiel, e por Jacobus op den Akker, que fez a tradução dos Profetas Menores. O primeiro tomo saiu do prelo em 1748 e o segundo em 1753. Assim a Bíblia em português estava completa. Estes dois volumes têm todas as páginas numeradas e, depois da do titulo, vem uma folha, dizendo: “Esta primeira impressão do Velho Testamento sai á luz ás custas da ilustre companhia Holandesa da Índia Oriental, por mandando do Ilmo.sr. Gustavo Guilherme, Barão d’ Imhoff, Governador-Geral, e dos Nobilíssimos Srs. Conselheiros da Índia...”. Deste trabalho escreve o Dr. Teófilo Braga: “È esta tradução o maior e mais importante documento para se estudar o estado da língua portuguesa no século XVII: o Padre João Ferreira de Almeida, pregador do evangelho em Batávia, pela sua longa residência no estrangeiro, escapou incólume á retórica dos seis centistas; a sua origem popular e a sua comunicação com o povo levaram-no a empregar formas vulgares, que nenhum escritor culista do seu tempo ousaria escrever. Muitas vezes o esquecimento das palavras usuais portuguesas lava-o a recordar-se de temos equivalentes, e é esta uma das causas da riqueza do seu vocabulário. Além disto, a tradução completa da Bíblia presta-se a um severo estudo comparativo com as traduções do século XIV e com a tradução do Padre Figueiredo do século XVIII. É um magnífico monumento literário”..(*)
Para o fim do século XVIII, e o principio do XIX, a coroa britânica incorporou Tranquebar aos seus domínios, e o idioma português foi gradualmente abandonado como a língua comercial, e conseqüentemente banido do uso das igrejas reformadas. Porém a divina providência estava preparando outro meio para a evangelização das terras do Velho Portugal e a conservação da Bíblia portuguesa. Portugal, até então mergulhado nas densas trevas da superstição romana, experimentou uma renascença. Isto veio por uma série de acontecimentos. Pela opressão política, umas pessoas refugiaram-se em Plymouth e em outras cidades da Inglaterra, o território nacional foi ocupado por tropas inglesas e o exército lusitano organização segundo o gênio disciplinador inglês, as relações comerciais e políticas foram estreitadas com a Grã-Bretanha, e propagou-se rapidamente por todo o reino o sentimento de tolerância religiosa. Isso, com as facilidades de comunicação com as ilhas e colônias portuguesas induziu a sociedade Bíblica Britânica a publicar uma edição do Novo Testamento em português da versão de João Ferreira de Almeida em 1809. Desde então esta sociedade tem publicado muitas edições, e, sob a mão de Deus, tem sido usada maravilhosamente para a disseminação da Bíblia em português. Em 1819 a Bíblia completa de João Ferreira de Almeida foi publicada em um só volume pela primeira vez, com este titulo: “A Bíblia Sagrada, contendo o Novo e o Velho Testamentos, traduzida em português pelo padre João Ferreira de Almeida, ministro pregador do Santo Evangelho em Batávia Londres, na oficina de R. e A. Taylor, 1819- 8 gr. de IV- 884 pp., a que se segue,com rosto e numeração o Novo Testamento, contendo IV- 279 páginas.” Desde essa data tem sofrido várias revisões. A primeira, em 1840, foi chamada de Revista e Emendada. Em 1847 foi novamente revisada, e chamada de Revista e Reformada. A revisão de 1875 foi chamada de Revista e Correcta. Depois, sofreu a correção de vários “erros óbvios” e algumas modificações ortográficas e recebeu o nome de Revista e Corrigida, que é essencialmente a Bíblia de uso popular ainda. Esta última revisão data de 1898. A Bíblia por João Ferreira de Almeida que atualmente temos, não é realmente dele, por causa das diversas correções e versões por que tem passado; entretanto, o texto original era dele e as modificações foram feitas devido ás exigências da língua, e á luz dos textos originais, e, sendo o primeiro a dar ao protestantismo português as sagradas letras, é digno de ser reconhecido como o autor da Bíblia que tem o seu nome.


A FORMAÇÃO DO CÂNON *

Uma definição provisória

Parece que o tema nos impõe, pelo menos inicialmente, um tratamento manualesco sobre o mesmo. O termo cânon descende do grego kanon, cana, que nada mais era que uma vara de medir. Pelo fato de servir como medida padrão, ao longo do tempo, por metáfora, veio a significar uma regra. Assim, um cânon cronológico diz respeito a uma medida padrão de tempo; um cânon de pesos e medidas, aqueles padrões aceitos mundialmente e que são exemplos para todas as medidas e pesos; cânon literário fala acerca das obras de um autor, para diferenciar de supostas obras e autores que escreveram reivindicando serem deles, e assim por diante. O cânon das Escrituras diz respeito aquela coleção de livros que os cristãos aceitam, usam e aos quais atribuem autoridade inigualável a quaisquer outros livros ou obras. São os livros que a igreja recebeu e, por conseguinte, acredita procederem de Deus, resultando, daí, sua utilidade intrínseca. Quando tratamos do cânon, já deixamos implícito o ato da aceitação de uns livros e a rejeição de outros. Mas podemos tratar o cânon como algo anterior a essa aceitação. Isso quer dizer que outros livros existiram sendo conhecidos ou não e que até receberam, em algum tempo e local, o status de canônicos. O cânon aponta, primeiramente, para o próprio ato da influência divina sobre o mesmo. Vejamos o tratamento que Young (1964, p.37) dá ao tema: “Caso um livro tenha sido inspirado por Deus, é canônico, quer seja aceito ou não pelos homens como tal. É Deus, e não o homem quem determina se um livro pertence ao cânon sagrado. Por conseguinte, caso certo escrito tenha efetivamente sido o produto da inspiração divina, tal escrito pertence ao cânon desde o momento de sua composição... Portanto, observa-se que a palavra” cânon “significa muito mais que meramente uma lista de livros”. Para Young, pois, o cânon não reside propriamente no trabalho humano e na aceitação dos livros. É, antes de tudo, uma obra divina. O cânon, nesse caso, é divino. Poderia haver, nesses casos, obras que foram divinamente inspiradas e que, por algum motivo não fazem parte da coleção que recebemos. Ainda mais, os livros que foram aceitos e recebidos por nós, só chegaram ao status de canônicos dada a influência de Deus na vida dos homens que pesquisaram e catalogaram esses livros. A visão sobrenatural do cânon que tem Young diz que se o homem fosse capaz de determinar, por algum processo, o que era ou não canônico, ele precisaria Ter uma inteligência no mesmo nível de Deus, sabedor das coisas como Deus sabe. A idéia de Young é praticamente unânime entre os estudiosos. Todos estão convictos de que a canonização é o ato de reconhecimento da importância de uma obra, e não da imposição de uma certa canonicidade de um livro. Um livro primeiramente se mostrou útil, inspirado e por isso foi reconhecido como canônico. Com efeito, a canonização deve ser reputada como uma obra divina. A Bíblia foi escrita num espaço temporal de cerca de quinze séculos de Moisés a João; tem participação de aproximadamente quarenta escritores, usando três línguas diferentes hebraico, aramaico e grego; estando seus escritores em três continentes: África, Ásia (oriente médio) e Europa.


2. TERMOS SUBJACENTES AO CÂNON

Ao falarmos de cânon, é impossível não nomear palavras como revelação, inspiração e autoridade. Elas aparecem com tanta naturalidade que nem prestamos atenção ao seu uso e, por vezes, os tratamos como se soubéssemos o que querem dizer. A revelação diz respeito diretamente ao ato de Deus se comunicar com os homens; a inspiração diz respeito á Escritura e aos escritores, ao passo que a autoridade diz respeito aos leitores.A palavra revelação é fundamental. “Deriva de um nome latino que significa ‘desvelar’, indica que Deus tem tomado a iniciativa para dar-se a conhecer... seja Deus quem for, está totalmente além de nosso alcance. Sua infinita grandeza está velada a nossos olhos. Não podemos descobri-lo por nós mesmos. Se tivermos de chegar a conhecê-lo, ele deve dar-se-nos a conhecer” (Stott, 175). A Bíblia é o meio de revelação, pois através dela Deus se comunica. É também a fonte de revelação, pois nela Deus é comunicado, por ela conhecemos as coisas espirituais, os atos e vontade de Deus para a vida do homem. A Bíblia também revela quem nós somos. Mesmo que a psicologia tenha avançado grandemente nos últimos anos e possa fazer afirmações verdadeiras sobre o homem, a Bíblia ainda continua sem igual no ato de nos informar quem somos, e o que precisamos fazer. Além disso, ao ler as páginas da Bíblia ficamos impressionados como somos informados acerca de nós mesmos e a única conclusão que podemos tirar é que seu autor é verdadeiramente aquele que nos criou. Deus se comunica na Bíblia falando a nós e ao mesmo tempo se mostrando, dando-se a conhecer. Por outro lado, ela nos informa o que somos e como somos. Quanto ao termo inspiração, assim fala Stott: “Indica a forma principal que Deus tem escolhido para revelar-se. Tem se revelado em parte na natureza e sobremaneira através de Cristo, porém, também ‘falando’ a determinadas pessoas. E este processo de comunicação verbal é o que se chama” inspiração “. Não empregamos a palavra no sentido em que falamos de um poeta ou músico que está ‘inspirado’. Pelo contrário, tem uma conotação precisa e especial. Porque quando Paulo escreve que ‘toda Escritura é inspirada por Deus’, as três últimas palavras constituem uma só expressão grega que poderia traduzir-se literalmente ‘respirada por Deus’. O significado, pois, não é que Deus respirou nos escritores para dar-lhes seu caráter especial, senão que o que os homens escreveram foi respirado por Deus” (p. 175). Não devemos pensar que a inspiração foi apenas um ato mecânico, que os escritores tiveram algum tipo de psicografismo espiritual, nem que foram máquinas de escrever a serviço de Deus. A inspiração, claro, inclui elementos verbais: “Disse o Senhor a Moisés..., Jeremias..., Ezequiel..., João” e assim por diante. Por outro lado, o Espírito comunicou ensinamentos aos escritores: “Foram-nos revelados pelo Espírito, conferindo coisas espirituais” (1. Co 2) Outras vezes, os escritores narraram aquilo que viram e ouviram: “O que temos visto..., ouvido..., contemplado..., apalpado..., isso escrevemos” (1. Jo 1). Parte daquilo que foi escrito envolveu um trabalho de pesquisa dos escritores: Os demais atos do rei...Eis que estão escritos nas “crônicas dos reis de Judá”, “nas crônicas dos reis de Israel”, “no livro das guerras do Senhor”, “no livro do cronista”, “nas atas do rei”. Os escritores do Novo Testamento, especialmente Lucas, Paulo e Judas dão a pista do caminho que percorreram ao escrever alguns dos seus textos. Vejamos Lucas: “Visto que muitos empreenderam uma narração... a mim, no entanto, escrevi as coisas de forma coordenada...”. Agora, Paulo: “Neste assunto manda o Senhor: que...”, “aqui, não tenho mandamento do Senhor, mas dou minha opinião...” (1. Co 7). Finalmente, Judas: “Amados, quando usava de toda a diligência para vos escrever acerca da nossa fé comum...” (Jd.3). A Bíblia é a eterna palavra de Deus, sobre Deus, com palavras humanas, sobre os homens; palavras dos homens acerca de Deus; palavras de Deus acerca dos homens; palavras dos homens aos homens; contém palavras verdadeiras de Satanás com intuitos mentirosos e palavras mentirosas de Satanás. O que faz a Bíblia ser palavra de Deus não é cada virgula que ela contém, mas o seu conjunto, a sua mensagem que o Espírito concedeu que os homens registrassem para o nosso ensino. Ai reside a sua inspiração. A inspiração das Escrituras pode ser provada pelo efeito que ela produz na vida do crente. Em primeiro lugar, a inspiração pode ser provada pela atualização da palavra. Ela não muda, é sempre atual. O que foi escrito há muito tempo continua sendo verdade, tanto quando fala da natureza, quanto das coisas ou do homem. A veracidade daquilo que a Bíblia fala é outra prova da sua inspiração. As questões históricas e arqueológicas dos povos bíblicos, tão debatidas em tempos passados, têm sido comprovadas a cada dia com as descobertas arqueológicas. Além disso, acresce-se o fato de haver, na Bíblia, o fenômeno das profecias e milagres. Estudando-se as datas em que as profecias bíblicas foram dadas, comprova-se que o seu vaticínio nunca foi concomitante ou a posteriore ao acontecido. É verdadeira, portanto. A mudança que a Bíblia produz no leitor é a mais subjetiva de todas, mas a que pode falar mais alto. A Bíblia tem um grande poder de modificar a vida da pessoa que a lê e leva seus ensinos a sério. Esse poder transformador é o próprio poder do Espírito que se manifesta através das palavras da Bíblia para influenciar a vida do crente. A Bíblia nos aproxima sempre mais de Deus; ninguém que se desvie por outros caminhos, deixando ao Senhor, pode afirmar que o fez por causa das sucessivas leituras da Bíblia. Porém, o abandono da sua leitura é também o passaporte para o abandono da fé. Quanto á autoridade das Escrituras, “é o poder, o peso inerente na Escritura por ser o que é, a saber, uma revelação divina dada por inspiração divina. Se é palavra de Deus, tem autoridade sobre os homens. Porque detrás de cada palavra que qualquer um pronuncie, está a pessoa que a pronuncia. É o que fala (seu caráter, conhecimento e posição) o que determina como os demais têm de considerar suas palavras. Assim, pois, a palavra de Deus tem autoridade. Por ser ele quem é, cremos no que tem dito... Sustentamos, pois, que Deus se tem revelado mediante a palavra; que essa palavra divina (ou’respirada’ por Deus) foi escrita e preservada nas Escrituras e que as Escrituras são, de fato, a palavra escrita de Deus que, portanto, é verdadeira e digna de fé e tem autoridade divina sobre os homens” (Stott, p.176-177). A autoridade fala do poder que Deus tem de nos mandar fazer ou deixar de fazer algo. Ele é Senhor, criador e redentor. Somos dele por criação, redenção e habitação. Ele nos criou, salvou e habita em nós pelo Espírito, portanto, tem autoridade para dizer o que deve ser feito. A autoridade bíblica está ligada á sua inerrância. Isso quer dizer que tudo o que a Bíblia diz, diz sem errar. A inerrância é a confirmação também da própria inspiração bíblica. Deus não mentiu nem se enganou acerca das informações que estão contidas na Bíblia. Portanto, nos autógrafos-documentos originais que saíram em primeira mão dos escritores bíblicos não há nenhum tipo de erro. O que temos hoje como nossa Bíblia é cópia, de cópia, de cópia. Pode Ter havido, em algum tempo, voluntária ou involuntariamente, erros, nas transcrições, audições, cópias, erros de julgamento, geográficos ou de pessoas. Ainda assim, porém, o que temos hoje é um documento confiável. Além dos termos tratados anteriormente, devemos acrescentar aqui o conceito de canonicidade. A canonicidade diz respeito aos critérios objetivos que uma determinada comunidade, e por extensão, todos os eruditos que trataram da coletânea de livros bíblicos, usou para determinar o modo de aceitação ou rejeição de um ou mais livros. Em outras palavras, a canonicidade fala daquelas razões dadas para a aceitação ou rejeição de um livro. Alguns desses critérios são:

Deve Ter sido escrito entre Moisés e Esdras;
Deve levar o nome de um grande profeta, sacerdote ou discípulo do mesmo;
Deve Ter sido escrito em hebraico;
Deve Ter aceitação geral;
Deve ser doutrinariamente fiel;
Não deve ser exagerado nos fenômenos metafísicos;
Deve falar de Jesus e apontar para ele;
Deve Ter sido escrito por um apóstolo ou por um de seus discípulos;
O espírito do leitor deve atestar a inspiração interna do livro.

3. MOTIVOS DO SURGIMENTO DO CÂNON

Só podemos falar de motivos prováveis e também múltiplos do surgimento do cânon. Tanto para os escritos do Antigo como do Novo Testamento houve uma infinidade de livros que reivindicaram falar em nome de Deus para o seu povo. Na verdade, quando os escritores escreveram seus livros não pensavam, originalmente, que eles fariam parte do cânon. Dada esta variedade de livros e a localização das diversas sociedades leitoras, uns livros eram conhecidos em uma determinada região enquanto que outro tanto não era conhecido. Isso levou determinadas comunidades a receberem um determinado número de livros e atribuir-lhes autoridade e outras comunidades usarem e atribuírem autoridade a outras coleções. Antes de Jesus e depois dele, não havia uma preocupação com uma coleção fechada de livros. As comunidades judias em Alexandria e em outras áreas da dispersão usavam certos livros que os judeus da Palestina não conheciam ou rejeitavam. No Novo Testamento lemos acerca de epistolas que Paulo escrevera aos coríntios que não conhecemos. Além disso, ele escreveu uma carta aos laodicenses que não sabemos qual seja. Tudo isso corrobora a idéia, como já disse, de que há escritos, mesmo inspirados por Deus, que não fazem parte da coleção que temos recebido. Visto que os livros foram, originalmente, escritos para uma determinada comunidade sem que o seu autor pensasse em uma coleção autorizada, junto com outros livros, muitos outros livros foram escritos e que nós não conhecemos. Além disso, dada à particularidade daquela comunidade e dos assuntos que foram tratados nesses livros, por certo algum assunto não interessou muito aqueles que trabalharam na catalogação autorizada desses referidos livros. Os judeus liam seus livros sem se preocuparem se eram ou não canônicos. Isto é, liam-nos independentemente de fazerem ou não parte de uma coleção autorizada. De certa forma, foram os cristãos que forçaram os judeus a terem sua coleção fechada. Logo no inicio os judeus perceberam que os cristãos estavam usando seus escritos para comprovarem a natureza e ministério de Jesus. Isso os levou a definir a sua coleção de livros autorizados. Da mesma forma, quando começaram a surgir heresias no seio da igreja, quando os cristãos viram que essas heresias eram ensinadas de púlpito e transcritas em livros, os ortodoxos começaram a se preocupar em determinar que livros eram próprios para a leitura e quais eram impróprios. É claro que não apenas os hereges os cristãos eram hereges para os judeus e havia hereges no meio dos cristãos foram os propulsores para a formação de uma coleção autorizada de livros. Mesmo que seja certo, como já disse anteriormente, que havia uma coleção muito grande de livros lidos por judeus e cristãos; e que uma comunidade conhecia e lia livros que outra comunidade não conhecia, havia também livros que não gozavam de aceitação por essas comunidades. Há livros que, de chofre, eram rejeitados por judeus e cristãos. Esses livros tinham sua leitura proibida em público sinagoga ou igreja-e na privacidade. Existiam livros que deveriam ser lidos apenas na privacidade devocional das pessoas (e só por algumas pessoas), mas não podiam ser lidos em público. Esses são os livros que gozavam de uma aceitação mais local. Existiam livros, no entanto, que eram por todos aceitos e lidos, independentemente da comunidade. Era recomendada a leitura desses livros, tanto a individual como a coletiva. Esses últimos livros foram os primeiros a serem aceitos na coleção canônica dos judeus e dos cristãos. Para a coleção do Antigo Testamento, os livros da lei nunca encontraram dificuldade para serem aceitos. Os profetas também não tiveram tantos problemas para a aceitação. Alguns dos chamados livros poéticos tiveram problemas para serem aceitos pelos judeus. Para os cristãos, a lei, os profetas, os salmos e os evangelhos não tiveram problemas para serem aceitos nas coleções autorizadas. Para os cristãos, algumas epistolas encontraram resistências para serem aceitas. Os judeus e cristãos não classificavam seus livros em canônicos e apócroficos. Esta é uma definição bem posterior. Para os livros sobre os quais não residia nenhum problema de aceitação, os judeus aplicavam a designação de livros que contaminam as mãos, isto é, eles eram tão santos que “contaminavam” as mãos de quem os lia. Os cristãos classificavam seus livros em homologoumena, aqueles que tinham aceitação geral, sobre os quais ninguém falava contra, e os antile-goumena, livros acerca dos quais existiam controvérsias; eram aceitos por uns e não aceitos por outros.


4. OS CÂNONES

Do que já falei sobre a diversidade de comunidades, além da divisão de judeus e cristãos, podemos falar de cânones diferentes. Tratemos, inicialmente, da divisão do cânon. Os livros do cânon não estão dispostos por sua ordem cronológica, alguns seguem a outros cronologicamente conforme os temos hoje, mas não todos-, mas segundo os temas literários. Tratando-se da literatura do Antigo Testamento, temos apenas três tipos: a profecia, a história e a poesia. Assim, os judeus da Palestina têm uma divisão diferente do cânon recebido pelos judeus da Dispersão. Os judeus palestinos adotam uma divisão tripla do seu cânon: os livros da Lei de Moisés; os livros proféticos (incluem: os livros históricos como Josué, Juizes... esses são os chamados profetas anteriores, e os profetas posteriores, Isaias, Jeremias...); e os escritos (os escritos incluem os poéticos: Jó, Salmos... e os rolos: Ester, Crônicas...). Os judeus dispersos (alexandrinos, daí o nome: cânon alexandrino) adotam uma divisão quádrupla: A lei, históricos, poéticos e proféticos (sendo os profetas chamados de maiores: Isaías, Jeremias e os profetas chamados menores: Oséias, Amós e Obadias...). Os cristãos (católicos e protestantes) adotam a divisão quádrupla dos judeus da dispersão. O cânon alexandrino, no entanto, adota outros livros que os judeus da Palestina não aceitam. São os chamados apócrifos/ deuterocanônicos. Os protestantes adotam apenas a divisão do cânon alexandrino, ao passo que usam os mesmos livros do cânon palestinense. Os católicos ousam a divisão e número do cânon alexandrino. A literatura do Novo Testamento compreende a história (Evangelhos e Atos), a epistola e a profecia (Apocalipse). Em termos gerais, considerando-se apenas o conteúdo da literatura bíblica, temos dois cânones: O Antigo e o Novo Testamento. O cânon hebreu é o cânon do Antigo Testamento. O cânon dos cristãos inclui o Antigo e o Novo Testamento. A diferença que existe diz respeito apenas ás divisões e número de livros que o Antigo Testamento contém. Não há divergência em se tratando de católicos e protestantes-quanto ao conteúdo e número de livros do Novo Testamento. O cânon alexandrino é composto, além dos livros que normalmente já temos no cânon protestante, dos seguintes livros: I e II dos Macabeus, Judite, Baruque, Eclesiástico, Tobias, Sabedoria de Salomão e Epistola de Jeremias. Além destes há os acréscimos a Ester e a Daniel e os sacerdotes de (Susana, Daniel e os sacerdotes de Bel e Daniel e o Dragão).

5. OS CONCILIOS E O CÂNON

Os concílios foram as grandes reuniões que os teólogos e sábios do passado fizeram para decidir que livros a comunidade do povo de Deus, como um todo, deveria receber como autorizados. Já anteriormente falei que algumas comunidades, devido ás distâncias entre elas, e devido ás suas necessidades, usavam livros diferentes. É grande o número de livros do Antigo e Novo Testamento que já receberam o status de canônicos. Por causa disso, alguns chegaram a nominar os livros em “livros inspirados em geral”, quando se referia a um livro que foi usado como canônico por uma ou mais comunidade. Por outro lado, os livros “inspirados especiais” são livros que foram aceitos por todos e em todo lugar. O primeiro concílio de que se tem noticia é o concilio dos judeus, no final do primeiro século da era cristã, na cidade de Jâmnia, entre 90-115 d.C. Esse foi o concilio que determinou o cânon do Antigo Testamento conforme os cristãos protestantes usam hoje, em distinção ao cânon grego-alexandrino, mais extenso, que os católicos usam. Os cristãos também fizeram os seus concílios. Entre os mais famosos e que trataram sobre a Bíblia, estão os de Laodicéia, 363; de Cartago, 397; de Hipona, 419; e de Trento, 1545. Os primeiros concílios serviram para determinar e ratificar os livros do Novo Testamento que deveriam ser lidos e usados pelos cristãos de todo o mundo conhecido. Quanto ao uso do cânon mais curto ou mais longo com apócrifos ou não-a igreja mantinha uma certa flexibilidade. Deixava que os próprios cristãos decidissem se usariam ou não. Até em data recente, ainda no século passado, as sociedades bíblicas publicavam Bíblias com ou sem apócrifos. Um exemplo é a sociedade Bíblica Alemã, que chegou a publicar várias edições da Bíblia luterana com os apócrifos e sem eles. Não se pode falar em “os católicos” como se existisse um outro tipo de cristianismo com exceção dos ortodoxos de várias linhas até o século dezesseis. Logo, a igreja era tendente a usar os apócrifos uma hora e não usar em outras. Depois da reforma, os “protestantes” reformadores, Lutero, Calvino e Zwinglio suscitaram a discussão acerca de alguns livros da Bíblia. Optaram por não usá-los. Em reação a isso, a igreja católica romana optou por usá-los. Essa opção é tanto uma continuidade histórica quanto uma reação antiprotestante. Não podemos enveredar, outrossim, por uma argumentação de que não se usa os apócrifos em virtude de os reformadores não terem aceitado o seu uso. Até mesmo em relação ao Novo Testamento houve discussão dos reformadores. Por exemplo, para Lutero, Ester e Tiago não deveriam estar fazendo parte do cânon. Ele mesmo sugeriu que se tirasse esses dois livros da lista dos autorizados.

6. NOSSA DISPOSIÇÃO

Do que recentemente foi colocado, acredito que o mais importante de tudo é que os cristãos tornem a afirmar o conceito da Bíblia como regra de fé e prática. A partir do século dezesseis, Jean Astruc iniciou, aparentemente sem querer, um movimento que culminou na descrença total da Bíblia como literatura humana e divina. É estranho hoje que as casas de espetáculos encham-se para ouvir obras de Shakespeare ou outros autores; que livros de autores desconhecidos sejam vendidos aos milhares, ainda mais, comentários. E comentários são vendidos acerca de Platão, Tales, Heráclito, Aristóteles, JJ.Benitez... È charmoso estar lendo um texto sobre religião oriental, ao passo que parece ultrapassado e vergonhoso empunhar a Bíblia ou um comentário bíblico. Parece igualmente estranho que livros estejam aparecendo nesses últimos dias sobre assuntos que parecem bíblicos, como por exemplo: vida de Jesus na Índia, Tibet, China, Jesus como discípulo de monges tibetanos, a comunidade Essência de Cumrã, os escritos do Mar Morto e coisas do gênero. Esses livros vendem aos borbotões, neles as pessoas acreditam e discutem os assuntos bíblicos baseados neles, e, no entanto, não estão lendo a Bíblia. Os livros apócrifos e pseudepígrafos também são moda em nossos dias. As pessoas estão comprando e lendo esses livros e crendo neles como se fossem canônicos. A partir deles é que tiram a sua fé, melhor, descrêem da fé e discutem com aqueles que estão lendo a Bíblia. Não nos parece estranho tudo isso!? Tudo isso começou no século dezesseis. A conseqüência de tudo está ai diante de nós. Se toda questão residisse ai, não seria tão grave. Acontece, porém, que os próprios cristãos, que já afirmaram que a Bíblia era única regra de fé e prática, enveredaram mais do que nunca em um tipo de tradicionalismo histórico e parcialidade bíblica. Se fizermos uma pesquisa a nível profundo e sério, veremos que, mesmo que as publicadoras de Bíblias estejam mostrando milhões de Bíblias vendidas a cada ano no Brasil, o número de pessoas que está lendo efetivamente a Bíblia toda é mínimo, ínfimo. Bíblia, para algumas pessoas, resume-se em uns poucos livros: Salmos e Provérbios, no Antigo Testamento, ás vezes Gênesis e Isaias. Estes dois últimos sofrem com a questão da “mitologia” bíblica, no primeiro caso e com a diversidade de autores, no segundo. No Novo Testamento, lê-se Mateus, João e 1 Coríntios 13. É claro que estou dando um tratamento reducionista á questão. A ênfase no momento quer dar idéia que, dos 66 livros do cânon protestantes, cerca de 10% estão sendo lidos. Quanto mais aqueles que adotam a um cânon mais longo. Estão brigando por causa de livros que nunca leram! Chegamos há um tempo em que os cristãos são guiados por uma subjetividade na vida prática. Se o coração não condena, tudo é possível. Não é a palavra, quem orienta o crente, mas suas visões, profecias e outras coisas que ele recebe. Se os descrentes estão lendo os livros apócrifos, os cristãos estão fazendo uma leitura selecionada e particularizada dos livros bíblicos. Nossa questão principal não reside em quem tem mais ou menos livros, mas na disposição para a obediência. E temos sempre os nossos jeitinhos, nossas interpretações para escaparmos de praticar a Bíblia no dia-a-dia. Temos sempre uma bíblia a nosso favor. Quem quer beber álcool, por exemplo, esquecerá tantas recomendações contra o uso do mesmo e trará a recomendação de Paulo a Timóteo “toma um pouco de vinho”, e o exemplo de Noé e Jesus, que, não apenas tomou, mas transformou água em vinho. Por outro lado, se alguém quer negar o uso da entrega do dizimo, dirá que é uma prática do Antigo Testamento que nunca foi confirmada no Novo. Quem quer casar com o descrente, acreditará que seu casamento será o único onde seu cônjuge será “santificado pelo outro”. Ter uma bíblia a nosso favor é achar sempre versículos que apóiem os nossos proceder, seja por meio de citação de outros textos ou por meio de uma nova interpretação que damos ao texto. Assim, nunca estaremos obrigados a fazer o que realmente a Bíblia manda. O problema que os reformadores enfrentam foi teológico. O nosso problema atual é bíblico. É preciso uma nova reforma.

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