sábado, 22 de novembro de 2008

São Tomás de Aquino

Introdução

São Tomás de Aquino, (Aquino, Itália, 1227), tido como santo pela Igreja Católica, foi um frade dominicano e teólogo italiano.

Nascido numa família nobre, estudou filosofia em Nápoles e foi depois para Paris, onde se dedicou ao ensino e ao estudo de questões filosóficas e teológicas. Aos 19 anos fugiu de casa para se juntar aos dominicanos. Conseguiu entrar na Ordem fundada por São Domingos de Gusmão. Foi mestre em Paris e morreu na Abadia de Fossanova quando se dirigia para Lião a fim de participar do Concílio de Lião.

Seus interesses não se restringiam a religião e filosofia, mas também interessou-se pelo estudo de alquimia, tendo publicado uma importante obra alquímica chamada "Aurora Consurgens". O mérito transcendente de São Tomás consistiu em introduzir aristotelismo na escolástica anterior. A partir de São Tomás a Igreja tem uma teologia (fundada na revelação) e uma filosofia (baseada no exercício da razão humana) que se fundem numa síntese definitiva: fé e razão.

São Tomás é considerado um dos maiores mestres da Igreja pois conseguiu alcançar um profundo entendimento da espiritualidade cristã.É também conhecido como o Doutor Angélico.

Tomás de Aquino tentou mostrar que a filosofia e a religião não podiam competir. Era dois caminhos que levavam à um mesmo fim. Tinha como objetivo mostrar a existencia de Deus, usando a razão. Escreveu dois livros e procurou unir a filosofia de Aristóteles à fé.










Principais idéias



Tomás de Aquino viveu intensamente os conflitos intelectuais, típicos de sua época, que opunha o conhecimento pela razão, a teologia à filosofia, a crença na revelação bíblica às investigações dos filósofos gregos.

Inserida no movimento escolástico, a filosofia de Tomás de Aquino (o tomismo) já nasceu com objetivos claros: não contrariar a fé. [1] De fato, a finalidade de sua filosofia era organizar um conjunto de argumentos para demonstrar e defender as revelações do cristianismo.

Assim, Tomás de Aquino reviveu em grande parte o pensamento aristotélico com a finalidade de buscar nele os elementos racionais que explicassem os principais aspectos da fé cristã.

Retomando as idéias de Aristóteles sobre o ser e o saber, Tomás de Aquino enfatizou a importância da realidade sensorial. No processo de conhecimento dessa realidade, ressaltou uma série de princípios considerados básicos, dentre os quais se destacam: [2]

-Princípio de contradição: o ser é e não é. Não existe nada que possa ser e não ser ao mesmo tempo e sob o mesmo ponto de vista.

-Princípio da substância: na existência dos seres podemos distinguir a substância ( a essência propriamente dita) e o acidente (a qualidade não-essencial, acessória do ser).

-Princípio da causa eficiente: todos os seres que captamos pelos sentidos são seres contingentes, isto é, não possuem, em si próprios, a causa eficiente. Portanto, para existir, o ser contingente depende de um outro ser que representa a sua causa eficiente: este outro ser é chamado de ser necessário.

-Princípio da finalidade: todo ser contingente existe em função de uma finalidade, de um objetivo, de uma razão de ser. Enfim, todo ser contingente possui uma causa final.

-Princípio do ato e da potência: todo ser contingente possui duas dimensões – o ato e a potência. O ato representa a existência atual do ser, aquilo que está realizado e determinado. A potência representa a capacidade real do ser, aquilo que não se realizou mas pode realizar-se. È a passagem da potência para o ato que explica toda e qualquer mudança.

Segundo Santo Tomás a razão pode provar a existência de Deus através de cinco vias, todas de índole realista: considera-se algum aspecto da realidade dada pelos sentidos como o efeito do qual se procura a causa. [3]

A primeira fundamenta-se na constatação de que no universo existe movimento. Baseado em Aristóteles, Santo Tomás considera que todo o movimento tem uma causa.

A segunda via diz respeito à idéia de causa em geral. Todas as coisas ou são causas ou são efeitos, não se podendo conceber que alguma coisa seja causa de si mesma.

A terceira via refere-se aos conceitos de necessidade e possibilidade. Todos os seres estão em permanente transformação, alguns sendo gerados, outros se corrompendo e deixando de existir.

A quarta via tomista para provar a existência de Deus é de índole platônica e baseia-se nos graus hierárquicos de perfeição observados nas coisas.

A quinta via fundamenta-se na ordem das coisas. A distinção real ou ontológica entre essência e existência possibilitou a Tomás de Aquino refutar racionalmente e rejeitar como heréticas certas concepções correntes, na época, sobre dogmas da encarnação de Cristo e da Trindade. [4]

A harmonização, no plano social e político, entre poder temporal e poder espiritual seria análoga à que Santo Tomás procura estabelecer entre filosofia e teologia, entre Razão e Fé. [5] Desse modo, podemos verificar em Tomás de Aquino, a responsabilidade pelo resgate cristão das filosofias de Platão e Aristóteles.























A Essência do Pensamento de Tomás de Aquino


São Tomás de Aquino foi o grande sintetizador, capaz de usar o recém-descoberto Aristóteles para produzir um sistema filosófico no qual podiam conviver razão e fé.

Havia para ele verdades reveladas e quando considerações filosóficas se chocavam com a revelação; como no caso, por exemplo, em que princípios aristotélicos levam à refutação de uma primeira criação, não hesitava em ficar com a fé. Não obstante, em teologia natural e outras esferas, a razão era suprema e achava que Aristóteles, de cuja obra tomou conhecimento através de seu mestre Alberto Magno, proporcionava princípios racionais para uma filosofia completa que a fé podia chamar em sua ajuda.

São Tomás conhecia Aristóteles não de fontes originais, mas de traduções. Além do mais, era ainda necessário identificar quais, entre as obras estudadas, pertenciam realmente a Aristóteles. Por isso mesmo, seu conhecimento de Aristóteles era relativo aos tempos e circunstâncias em que viveu. Não obstante, para ele, Aristóteles era “o Filósofo”.

A síntese que produziu, no entanto, acabou sendo objeto de críticas de Duns Scotus e de Occam, ambos franciscanos, ao passo que são Tomás era dominicano. Historicamente falando, a grande síntese, que é encontrada particularmente em suas duas Summas, a Summa contra Gentiles (A suma contra os gentios) e a Summa Theologiae (A suma teológica) com séries de perguntas, considerações pró e contra, e respostas finais, não persistiu. Ainda assim, foi são Tomás que chegou até nós como o grande filósofo escolástico e Duns Scotus e Guilherme de Occam, com justiça ou não, são figuras de menor status.

A vida de são Tomás (1225-74) nem foi longa nem cheia de acontecimentos importantes, à parte um período em que sua própria família o aprisionou no castelo ancestral, desejando que ele lhes promovesse os fins políticos e não que se tornasse membro da Ordem Dominicana. Ele resistiu, contudo, obteve a liberdade e dirigiu-se para Paris a fim de estudar sob a orientação de Alberto Magno, com quem viveu em Colônia de 1248 a 1252. Dividiu o resto da vida entre Paris e a Itália, dedicando-se ao ensino e aos seus escritos. Faleceu em viagem quando se dirigia para o Conselho de Lyon.

À parte as duas Summas, foi autor de grande número de outros trabalhos, incluindo comentários sobre Aristóteles que devem figurar no alto da lista dos mais tediosos jamais escritos, presumivelmente por causa de seu acesso limitado aos textos aristotélicos. Aquino foi obrigado a descrever com meticulosos e incessantes detalhes o que Aristóteles dissera e a exposição supera em muito, em extensão, os comentários.

Sua descrição do mundo natural, baseada nos princípios recíprocos de matéria e forma, é quase estritamente aristotélica, as coisas ocupando vários graus entre os extremos da matéria bruta e forma pura. Ele, porém, manifestou um interesse que Aristóteles talvez nunca tenha sentido por aquilo que veio a tornar-se conhecido como o princípio da individuação, a questão do que, em última análise, distingue duas coisas quaisquer. A matéria, simplesmente como substância, não pode fazer isso; nem a forma, uma vez que ela é geral. Aquino, em vista disso, introduziu a idéia de materia signata quantitate – matéria caracterizada no tocante à quantidade.

Duas coisas, mesmo coisas da mesma espécie, devem ser distinguidas entre si pelo fato de serem feitas de uma certa substância que ocupa um certo espaço delimitado, mesmo quando não são distinguíveis por outros meios. Deus, sendo forma pura, não precisa desse critério de distinguibilidade. Aquino, porém, considerou como sendo anjos as inteligências que Avicena, seguindo Aristóteles, considerou como as causas do movimento das esferas que sustentavam os corpos celestiais. Julgou que estas tampouco podiam conter matéria.

Os anjos só podiam ser distinguidos por diferenças em forma. Uma vez que a idéia de forma corresponde à de uma espécie, cada anjo constitui, na verdade, uma idéia distinta. Não é talvez uma boa idéia, mas tampouco o era a de Aristóteles de seres que consistiam de forma pura.

Diz-se em geral que ele acrescentou algo próprio à sua estrutura de idéias, a distinção entre essência e ser, ou existência, que aparece em um de seus primeiros trabalhos, De Ente et Essentia, e que é utilizada continuamente daí em diante.

Aristóteles, naturalmente, teria reconhecido a introdução de uma distinção nesses termos. As categorias são espécies de ser, ao passo que coisas ou seres possuem essências na medida em que pertencem a espécies às quais certas coisas devem necessária ou essencialmente se aplicar. Há, assim, uma ligação entre essência e forma, ou espécie. São Tomás impõe a esta outra distinção aristotélica, a existente entre potencialidade e realidade. Dissemos “impôs”, embora, mesmo para Aristóteles, houvesse uma associação entre forma e realidade concreta, por um lado, e entre matéria e potencialidade, do outro.

Uma das palavras aristotélicas para realidade concreta é “energeia”, geralmente traduzida como “atividade” ou “ato”. E é esta noção de “ato” que Aquino menciona a fim de explicar o que entende por “ser”, em contraste com essência. Poderíamos colocar a questão de outra maneira, dizendo que o ser ou o esse de uma coisa é a realização, ou concretização, da natureza que possui. Sem essa realização, a natureza seria apenas potencial.

Não é uma idéia muito perspicaz, mas parece que era isso o que Aquino tinha em mente. Ela faria sentido para um filósofo moderno se fosse aceita como significando que há uma distinção a estabelecer entre o conceito de uma coisa e sua realização, ou concretização, na realidade. Mas, para ele e para Aristóteles, a natureza, ou essência, de uma coisa, não era uma questão de que conceito temos dela, mas questão do que há em realidade, uma vez que ele era um realista.

Ele parece ter usado a distinção entre o potencial e sua realização a fim de estabelecer, em termos realistas, a distinção entre o conceito de uma coisa e a realização, ou concretização, desse conceito. Poder-se-ia argumentar que, do ponto de vista do filósofo grego, isto é um abuso da distinção aristotélica entre realidade e potencialidade. Não há dúvida que está sendo frisado um ponto diferente e não-aristotélico. Muito mais tarde, neste século, encontraríamos Quine dizendo que ser é ser o valor de uma variável.
Poderíamos dizer que, no caso de são Tomás de Aquino, um slogan comparável seria que ser é ser o ato de uma essência ou natureza. Pode haver variáveis, no entanto, sem que a elas se dê um valor. O problema com o slogan de Aquino é que não pode haver concretamente essências exceto como realizadas, ou concretizadas, em coisas e, por conseguinte, exceto como ato. O realismo em questão de essências acarreta isso. Aquino está, sem dúvida, tentando provar um ponto não realista, envolvendo uma distinção entre conceitos e seus exemplos, em termos realistas.

Nada disso se aplica, de qualquer modo, a Deus, uma vez que ele é pura forma e puro ato sem qualquer potencialidade. Daí, em seu caso, sua essência e seu esse são os mesmos. Aristóteles perguntou também se coisas são o mesmo que suas essências e respondeu que isto acontece apenas no caso de substâncias no sentido primário. E isto equivale a dizer que assim é apenas no caso de Deus.

Aquino concorda com isso, mas quer dizer algo mais: que o esse de Deus é o mesmo que sua essência e que nada há em sua natureza que não seja realizado em ato. Aristóteles teria concordado com a conclusão porque, em sua opinião, Deus é pura realização, ou concretização, sua natureza sendo pensamento puro, mas teria colocado isto em termos de ser. De qualquer modo, como cristão, Aquino queria mais de Deus do que Aristóteles admitia.
Que acesso, contudo, temos à natureza real de Deus? Há, evidentemente, coisas negativas, mas ele não é isto, aquilo e outras coisas, a menção das quais constitui a via negativa (meio de negação), característica dos místicos em sua abordagem de Deus. Quando a questão passa a atributos positivos, no entanto, Aquino pensa que podemos abordar Deus apenas através de atributos que se aplicam ao mundo que conhecemos. Uma vez que Deus se situa acima e além de tudo isso, esses atributos se aplicam a ele apenas analogicamente. Em outras palavras, não se aplicam a ele literalmente, mas apenas por analogia com coisas ordinárias. Com esses fins em vista, Aquino retoma e amplia as considerações aristotélicas sobre equívoco. Para Aristóteles, a analogia era um tipo de equívoco que se distingue do que veio a ser conhecido como “significação focal”. Aquino considera ambos como analogias, o primeiro sendo analogia de proporção e o segundo analogia de proporcionalidade. Há analogia de proporção quando a semelhança entre as coisas entre as quais há analogia implica uma diferença de grau, de modo que uma pode ser considerada como o mais alto grau de exemplificação daquilo que é exemplificado apenas em menor grau na outra. É isso o que, no fim, significa a doutrina de significação focal de Aristóteles.
Segue-se, segundo Aquino, que não podemos ter completo e pleno conhecimento da natureza de Deus e que é impossível à razão, da forma exemplificada na filosofia, corrigir essa situação. A situação é diferente, porém, com o conhecimento da existência de Deus. Aquino não aceita o argumento ontológico da existência de Deus da forma apresentada por Anselmo. No Summa contra Gentiles em particular, ele rejeita esse argumento sobre o fundamento de que o mesmo envolve um movimento inválido de existência em pensamento para existência em realidade. Constitui, claro, todo o peso do argumento anselmiano fazer essa passagem, mas Aquino o rejeita, apesar de tudo. Não há mais argumentos a priori para a existência de Deus. Ficamos, assim, apenas com argumentos a posteriori, argumentos a partir da natureza do mundo, tal como a experimentamos. Aquino menciona cinco deles (os denominados “Cinco Meios”), embora dedique a maior atenção ao primeiro. O argumento retroage de várias maneiras aos gregos e a Aristóteles em particular. O primeiro constitui na verdade o argumento de Aristóteles relativo a um primeiro motor. Há movimento no mundo e isto é a realização, ou concretização, de potencialidades. Mas essa realização depende de alguma coisa para produzi-la. Essa idéia pressupõe uma cadeia de realizações que não pode continuar ad infinitum e assim ela deve parar em alguma coisa puramente real, uma força motora imóvel, que é Deus. O argumento é, rigorosamente falando, inválido, como o é na versão aristotélica. Pressupõe ele que deve haver uma explicação completa do que acontece e que a cadeia de realização não pode continuar ad infinitum. Que o suposto primeiro motor é realmente Deus constitui mais um suposto. Kant argumentaria mais tarde que todos esses argumentos necessitam do argumento ontológico, e da concepção de Deus que isso supõe, a fim de se chegar à conclusão final.
O segundo argumento desenvolve-se analogamente na base da causação eficiente, dizendo Aquino que não pode haver uma série infinita de causas eficientes. O terceiro argumento, o denominado argumento acontigentia mundi, afirma que o fato de que coisas neste mundo venham a ser e deixem de ser demonstra que elas são apenas contingentes. Mas seres contingentes podem existir apenas se houver alguma coisa que exista necessariamente e que seja a razão de sua existência, e isto é Deus. O quarto argumento é, na realidade, o aristotélico do De Philosophia, no sentido em que quando há um bom deve haver um melhor: graus de perfeição e de bem no mundo implicam a existência de um ser melhor e mais perfeito, que é Deus. O quinto e último argumento é o teleológico, ou o argumento da intenção: indicações de finalidade no mundo implicam a existência de um desenhista (embora um desenhista não precise, rigorosamente falando, ser um criador, como o Demiurgo do Timeu, de Platão, não era). Nenhum desses argumentos é decisivo no sentido demonstrativo, porque todos eles envolvem suposições que podem ser refutadas. Na medida em que conferem plausibilidade adicional a uma crença alcançada sobre outros fundamentos ou simplesmente pela fé é assunto de juízo individual.
É importante compreender que, segundo Aquino, a palavra “Deus” não é rigorosamente falando um nome próprio: poderia ter havido mais de um Deus. Para ele só há, naturalmente, dado o que foi dito acima, apenas um. Sustenta ele que o nome mais apropriado para Deus é o que foi dado a Moisés pela voz que saiu da sarça ardente: Eu sou o que sou. Este nome claramente identifica a igualdade de existência com essência em Deus, algo que não é verdadeiro a respeito de nada mais. Segundo Aquino, Deus criou livremente o mundo do nada, ponto este em que, conforme vimos antes, a fé se choca com a doutrina de Aristóteles. De igual maneira – e mais uma vez isso é uma questão de fé, não de prova filosófica – Deus criou o mundo no começo, mesmo que ele mesmo seja eterno. A vontade de Deus, porém, está sujeita a seu intelecto, exatamente como, sustenta Aquino, no caso dos homens, que Deus criou à sua imagem. Esta é a doutrina do primado do intelecto sobre a vontade, uma doutrina que subseqüentemente veio a ser criticada, especialmente por Duns Scotus.
Para Aquino, contudo, é parte da idéia de que, ao criar o mundo, Deus agiu para comunicar seu bem. Essa idéia traz consigo o problema da existência do mal. Deus, sendo bom, não pode querer o mal; nem realmente, pensa Aquino, o homem. O mal é simplesmente uma conseqüência do que se quer como bem, e aqui Aquino adota uma opinião que retroage a Plotino, de que o mal é simplesmente a ausência do bem, não algo positivo por direito próprio. Os males, tanto o natural quanto o moral, existem por causa de um bem mais positivo. Deus criou tal mundo com espírito de previsão, mas por causa desse bem. Se ou não isto constitui uma descrição satisfatória dos fundamentos lógicos do mal é um assunto que ainda hoje se discute. Alguns podem pensar que a idéia de mal como ausência implica reduzir as possibilidades de mal real, mas essa idéia é talvez o preço que se tem que pagar pela crença em um criador benevolente.
A versão de Aquino da alma humana individual é, com certas modificações, bem aristotélica. Considera a alma como a forma do corpo vivente, embora isto seja uma opinião que implica óbvias dificuldades para a crença na imortalidade da alma, que, como bom cristão, ele tinha que aceitar. A fim de defender a imortalidade, recorreu ao que Aristóteles disse sobre a razão, aproveitando isso para mostrar que a razão possui uma natureza espiritual, o que quer que seja a verdade a respeito das outras faculdades da alma. Voltaremos mais tarde ao papel exato que Aquino atribui à razão, tanto à ativa como à positiva, da maneira como Aristóteles as distinguiu, em conexão com sua teoria de aquisição de conhecimento pelos seres humanos. Argumentou Aristóteles que a razão em geral deve ser independente de qualquer órgão porque, dada sua compreensão da maneira como funcionavam as faculdades da alma, a posse de um órgão para a razão limitaria o que a razão seria capaz de pensar: ela não poderia pensar em coisa alguma que tivesse a natureza desse órgão. Ele postulara também a existência de uma razão ativa a fim de explicar como a potencialidade, em que consiste a razão passiva – o tipo de razão que vimos estudando até agora – pode ser realizada, ou concretizada.
Aquino aproveitou esses pontos e usou-os para argumentar em defesa da tese de que a alma racional, o tipo de alma que inclui a razão, deve ser imaterial. Mas diz que é toda a alma humana que sobrevive à morte, mesmo as faculdades que dependem, como no caso da percepção sensorial, do corpo para sua efetivação. Separadas do corpo, as faculdades permanecem como potencialidades, embora careçam das condições corporais que tornam possível sua realização. A faculdade racional exige essas condições apenas na medida em que depende da percepção sensorial para seu conteúdo, e Aquino sustenta a doutrina do nihil est in intellectu quod non prius in senso (nada há no intelecto que não estivesse antes da percepção sensorial), fosse ou não ela sustentada por Aristóteles. O intelecto ativo não requer absolutamente condições corporais. Se ou não isto é uma descrição satisfatória ou simplesmente incoerente é questão que será mais bem deixada ao julgamento de cada um.
De um ponto de vista psicológico, contudo, a alma é meramente um conjunto de faculdades ou potencialidades que funcionam ao serem efetivadas por alguma coisa. Para Aquino, há os cinco habituais sentidos, além do que Aristóteles chamou de “senso comum”. A esta Aquino atribui várias funções de acordo com a interpretação de Aristóteles, que se tornou quase ortodoxa, embora, em nossa opinião, seja errônea. Além desses, ele fala em quatro sentidos internos, que são na realidade capacidades não-racionais: imaginatio, o poder de conservar imagens sensoriais, ou phantasmata; vis aestimativa, o poder de aprender, possuído por animais, de que alguma coisa, por exemplo, é útil ou hostil; vis cognitiva, um processo semelhante, possuído pelos seres humanos; e vis memorativa, ou o poder de reter ou conservar essas apreensões. À parte elas, e os poderes de movimento, apetite e razão, há também a vontade (voluntas) no que interessa aos seres humanos. O objeto da vontade é o bem, que Aquino, seguindo Aristóteles, considera o mesmo que felicidade, com o refinamento de que a verdadeira felicidade é encontrada apenas em Deus. Já vimos que, para Aquino, o mal é a ausência do bem e não é em si mesmo um objeto da vontade.
Mas antes de nos adentrarmos em sua ética, temos que examinar primeiro o que, na realidade, é sua psicologia cognitiva, sua versão da aquisição de conhecimento e o papel que nisto desempenha a razão. (Não encontramos em Aquino, como também não em Aristóteles, qualquer epistemologia concernente à justificação de reivindicações ao conhecimento em geral.) Ele é um empirista no sentido em que pensa que todos nossos conceitos, toda nossa compreensão das coisas, derivam da percepção sensorial (conforme indicamos em nossa referência anterior à doutrina de que nada há no intelecto que não estivesse antes na percepção sensorial). Ele foi também um realista moderado no tocante à teoria dos universais, no sentido de acreditar que teria que haver um fundamento para nossa concepção do que é geral – ou, em seus termos, espécie – no mundo em que vivemos. Ele parte do que é, na realidade, uma teoria causal da percepção que, conforme observamos em outro contexto, pode ser obtido dos atomistas gregos. Mas é uma teoria que se destina a explicar o que Aristóteles queria dizer quando afirmou que, na percepção sensorial, recebemos a forma de um objeto sem a matéria. Achamos que Aristóteles quis dizer que isso devia ser aceito no nível da fisiologia, mas Aquino quer que o seja também no da psicologia.
De modo geral, ele insiste na igualdade de conhecedor e conhecido em qualquer forma de apreensão do mundo. Essa doutrina não pode ser aceita literalmente, contudo, porque ao perceber uma pedra, por exemplo, eu não me torno essa pedra, nem a pedra me vem em sua natureza física ou natural. Aquino pensa, apesar disso, que ela vem a existir em mim em esse intentionale (ser intencional), isto é, como sendo aquilo em que consiste a apreensão ou intenção da mente (intentio animi). Apreender uma pedra é essa pedra existir em mim, não em esse naturale (ser natural), mas em esse intentionale, e, assim, não de maneira material, mas imaterial. Poder-se-ia sugerir que essa explicação é um mero jogo de palavras. E de fato é, sem a teoria que a envolve. Em qualquer caso, é preciso lembrar que é, rigorosamente falando, a forma da pedra, sem sua matéria, que vem a existir dessa maneira em mim. Qual, contudo, a teoria envolvente? Diz ela que o objeto cria phantasmata, ou semelhanças, nos órgãos sensoriais. Mas se estes devem fazer o trabalho necessário, eles têm que ser também mentais. Diz ele que a razão ativa abstrai a forma ou espécie da phantasmata, de modo que ela surge na razão passiva como uma species expressa (expressa, e não impressa ou imposta [impressa] ou palavra [verbum]). Aquino chama a isso de conversio ad phantasmata ou – usando uma analogia tirada de Aristóteles, mas que este provavelmente entendia de maneira diferente – a iluminação da espécie. Essa species expressa é a ocorrência no esse intentionale da forma do objeto. Tudo isso parece psicologia muito duvidosa, que recorre a agências internas, ou homunculi, mas ela poderia ser concebivelmente interpretada em termos de funções que têm que ser realizadas para que ocorra a apreensão de um objeto como tal.
Outro aspecto da descrição é que ela pode ser interpretada como tentando fazer justiça, em forma moderada, a aspectos de diferentes teorias de universais. O realismo é mantido no sentido em que não pode haver concepção disto ou daquilo (alguma coisa em geral) a menos que o mundo seja tal que se tornem possíveis abstrações de imagens de espécies. Por outro lado, no mundo só existem objetos concretos e estes são isto e aquilo na medida em que, e apenas nessa medida, é possível abstração de suas imagens. Simultaneamente, a razão ativa deve ser capaz de iluminar o que é assim abstraído, revelando à mente a natureza disto ou daquilo. Assim, deve haver, por assim dizer, conceitos, ou aspectos do intelecto que importem nisso, e o fato de que estes têm expressão verbal faz justiça não só às condições do conceitualismo mas também às do nominalismo, enquanto essas condições não forem imperiosas. A teoria, em outras palavras, inclui aspectos de todas as três principais teorias de universais.
Caso julgado desejável o sincretismo, este seria um resultado admirável, contanto que a teoria fosse coerente. Se ou não isto acontece é matéria de debate, a principal dificuldade sendo o elo entre a versão causal, a presumivelmente apenas física, da sensação, com que se inicia a teoria, e a parte final sobre as diferentes funções mentais que são executadas a fim de permitir a apreensão de objetos como isto ou aquilo. Sem uma teoria coerente, é vazia a afirmação de que os objetos da consciência perceptual existem em nós esse intentionale.
Um ponto final precisa ser abordado neste particular. É uma conseqüência da alegação de que o intelecto funciona sempre dessa maneira, que todos os conceitos que temos derivam, em última análise, de percepções sensoriais, por mais indiretamente que seja. Desta maneira, não pode haver apreensão direta de seres imateriais enquanto a alma estiver ligada ao corpo. A fortiriori não há apreensão direta de Deus nem compreensão direta de sua natureza. Mas já vimos que, de qualquer maneira, esta é a opinião de Aquino. Podemos ter compreensão de Deus apenas por analogia e, neste ponto, ele é inteiramente coerente.
A ética de Aquino é também aristotélica, embora com modificações. Já vimos que, em sua opinião, os homens sempre querem o bem ou o que entendemos como tal, e que o bem é felicidade. Aristóteles dissera que a felicidade era uma atividade da alma em conformidade com a virtude e tratara as virtudes como hábitos e adquiridas por repetição. O mesmo acontece com Aquino. Mas embora houvesse certa ambigüidade em Aristóteles sobre a identificação do bem para o homem, segundo fosse ele tratado como animal social ou como um ser no qual era suprema uma razão com características divinas, Aquino contribui com outra ambigüidade. Isto porque o que Aristóteles chamava de felicidade é considerado por Aquino como apenas felicidade temporal, diferente da felicidade perfeita, que é identificável apenas como a visão de Deus e é alcançável, corretamente falando, apenas na próxima vida. Nada obstante, ao aceitar a maior parte da ética aristotélica – incluindo a doutrina da virtude como um meio-termo, deixando à razão (o que Aristóteles chamava de razão prática) determinar como o meio-termo é constituído e como o indivíduo deve agir para atingir o fim da vida – Aquino enfatizou, mais uma vez, o papel que a razão e o intelecto desempenham na vida. A vontade nada é sem a razão, como esclarece a doutrina do primado do intelecto sobre a vontade.
São Tomás de Aquino é notável também por uma teoria de direito natural. A teoria moral de Aristóteles é naturalista no sentido em que postula o bem para o homem em termos do que é parte da natureza humana e do que é natural para o homem aspirar como ser racional. Os homens, como animais políticos e em sociedade, são governados por leis humanas que são, em certo sentido, uma espécie de imagem da lei divina que governa o universo. Mas os indivíduos podem ser considerados em si mesmos como sistemas análogos, sujeitos a leis que governam as relações entre suas partes. A lei que governa, isto é o direito natural que estabelece o que deve ser feito ou não para promover os objetivos do homem. Como tal, esta lei, como acontece com as leis humanas, é prescritiva, mas a base do que é prescrito deve ser procurada no que é natural (ou se supõe natural) para os seres humanos. Aquino tenta, assim, derivar as leis morais que governam a conduta humana de uma concepção de seres humanos e do que é natural para eles. Se ou não este tipo de “deve” pode ser derivado de alguma maneira desse tipo de “é” constitui assunto ainda muito debatido entre os filósofos.
Se, como fato da natureza, os homens são animais políticos, o Estado é também uma instituição natural que existe para promover os fins daqueles que o constituem. Homens isoladamente nada são sem o Estado, mas, de igual maneira, o papel do Estado é de promover os fins de homens isolados, individuais. A lei humana, por conseguinte, deve ser baseada ou, em algum sentido, subordinada à lei natural, que é em si, conforme vimos acima, uma espécie de imagem da lei divina. Dado esse arranjo hierárquico, segue-se que há um sentido em que o Estado deve ser subordinado à Igreja, na medida em que a função desta última consiste em promover o objetivo final da união dos homens com Deus. Mais uma vez, certos aspectos do cristianismo são impostos a uma estrutura de idéias geralmente aristotélica. Com algumas exceções, este é o modelo geral no caso de Aquino. Sua obra constitui uma grande síntese das idéias aristotélicas, mas, dado o contexto cristão, teológico, no qual são colocadas, o resultado constitui inevitavelmente um meio-termo.




























Frases Célebres de Tomás de Aquino


-"Há de se notar que um indivíduo, vivendo em sociedade, constitui de certo modo uma parte ou um membro desta sociedade. Por isso, aquele que faz algo para o bem ou para o mal de um de seus membros atinge, com isso, a toda a sociedade" (Santo Tomás de Aquino, “Summa Theologiae”, I-II, q. 21, a. 3).

-"O detrator é a abominação dos homens” (Santo Tomás de Aquino).

-"É evidente que somente as criaturas intelectuais são, falando propriamente, à imagem de Deus" (Santo Tomás de Aquino, “Suma Teológica”, I, q. 93, a . 2).

-"O brincar é necessário para (levar) a vida humana” (Santo Tomás de Aquino, “Suma Teológica”, II-II, 168, 3, ad 3).

-"É evidente que Deus existe" (Santo Tomás de Aquino).

-"Toma cuidado com o homem de um só livro" (Santo Tomás de Aquino).

-"A humildade é o primeiro degrau para a sabedoria" (Santo Tomás de Aquino).

-"Dê-me, Senhor, agudeza para entender, capacidade para reter, método e faculdade para aprender, sutileza para interpretar, graça e abundância para falar. Dê-me, Senhor, acerto ao começar, direção ao progredir e perfeição ao concluir" (Santo Tomás de Aquino).

-"A beleza das ações humanas depende de sua conformidade com a ordem da inteligência, como ensinou Túlio: É belo tudo quanto diz bem da excelência do homem no aspecto em que ele difere dos outros seres" (Santo Tomás de Aquino, “Suma Teológica”, II-IIae, q. 142, a. 2).

-"O fim último do universo é o bem do entendimento, que é a verdade" (Santo Tomás de Aquino).
-"Uma boa intenção não justifica fazer algo mal" (Santo Tomás de Aquino, “In Duo Praecepta Caritatem”, 1).

-"Quero-te só a ti” (Santo Tomás de Aquino a Nosso Senhor Jesus Cristo).

-"O estudioso é aquele que leva aos demais o que ele compreendeu: a Verdade" (Santo Tomás de Aquino).

-"Os professores devem ser elevados em suas vidas, de modo que iluminem aos fiéis com sua pregação, ilustrem aos estudantes com seus ensinamentos, e defendam a Fé mediante suas disputas contra o erro" (Santo Tomás de Aquino, “Contra Retraentes”).

-"Qualquer amigo verdadeiro quer para seu amigo: 1) que exista e viva; 2) todos os bens; 3) fazer-lhe o bem; 4) deleitar-se com sua convivência; e 5) finalmente compartilhar com ele suas alegrias e tristezas, vivendo com ele um só coração" (Santo Tomás de Aquino, “Summa Theologiae”, II-II, q. 25, a. 7).

-"O amigo é melhor que a honra, e o ser amado, melhor que o ser honrado” (Santo Tomás de Aquino, “Summa Theologica”, II-II, q. 74, a. 2).

-"A amizade diminui a dor e a tristeza" (Santo Tomás de Aquino, “Summa Theologiae”, I-II, q. 36, a. 3).

-"Ultima hominis felicitas est in contemplatione veritatis" [A suma felicidade do homem encontra-se na contemplação da verdade] (Santo Tomás de Aquino, “Summa contra Gentiles”, III, 37).

-"Ubi amor ibi oculus" [Onde está o amor, aí está o olhar]" (Santo Tomás de Aquino, “Summa contra Gentiles”, III, d. 35, 1, 2, 1).

-"Unde per caritatem homo in Deo ponitur et cum eo unum efficitur" [Pela caridade o homem é posto na mesma realidade divina, fazendo-se um com Ele] (Santo Tomás de Aquino, “De Potentia”, IV, 9, ad 3).
-"Rogo a Deus como se esperasse tudo d’Ele, mas trabalho como se esperasse tudo de mim" (Santo Tomás de Aquino).

-"Assim como Cristo aceitou a morte corporal para dar-nos a vida espiritual, assim também suportou a pobreza temporal para dar-nos as riquezas espirituais" (Santo Tomás de Aquino).

-"A humildade faz o homem capaz de Deus" (Santo Tomás de Aquino, “Comentário ao Evangelho segundo São Mateus”, 11, 970).

-"A graça não destrói a natureza, antes a aperfeiçoa" (Santo Tomás de Aquino, “Summa Theologiae”, I, q. 65, a. 5).

-"Qui sunt in gratia, quanto plus accedunt ad finem, plus crescere debent." [Aqueles que estão em graça, quanto mais se aproximam do fim, mais devem crescer em espiritualidade] (Santo Tomás de Aquino, “Epístola ad Haebreum”, X, 25).

-"Três coisas são necessárias para a salvação do homem: saber o que deve crer, saber o que deve desejar, saber o que deve fazer” (Santo Tomás de Aquino).

-"Ensinar alguém para trazê-lo à Fé é tarefa de todo e qualquer pregador, e até de todo e qualquer crente" (Santo Tomás de Aquino).

-"Sustinere est difficilius quam aggredi" [Suportar é mais difícil que atacar] (Santo Tomás de Aquino, “Summa Theologiae”, II-II, q. 123, a. 6, 1).

-"Toda e qualquer coisa real possui a verdade de sua natureza na medida em que imita o saber de Deus" (Santo Tomás de Aquino, “Suma Teológica”, I, 14, 12).

-"Espero nunca ter ensinado nenhuma verdade que não tenha aprendido de Vós. Se, por ignorância, fiz o contrário, revogo tudo e submeto todos meus escritos ao julgamento da Santa Igreja Romana" (Santo Tomás de Aquino).

-"Quem diz verdades perde amizades" (Santo Tomás de Aquino).







Referências Bibliográficas

ARANHA, Maria Lúcia de Arruda. MARTINS, Maria Helena Pires.Temas de Filosofia. São Paulo: Ed. Moderna,1992.

COTRIM, Gilberto.Fundamentos da Filosofia – Ser, Saber e Fazer.São Paulo: Ed. Saraiva, 1997.

AQUINO, Tomás. Os Pensadores. São Paulo: Nova Cultural, 1996.



[1]ARANHA, Maria Lúcia de Arruda. MARTINS, Maria Helena Pires.Temas de Filosofia. São Paulo: Ed. Moderna,1992.
[2] COTRIM, Gilberto.Fundamentos daFilosofia – Ser, Saber e Fazer.São Paulo: Ed. Saraiva, 1997.
[3] ARANHA, Maria Lúcia de Arruda. MARTINS, Maria Helena Pires.Temas de Filosofia. São Paulo: Ed. Moderna,1992.

[4] COTRIM, Gilberto.Fundamentos daFilosofia – Ser, Saber e Fazer.São Paulo: Ed. Saraiva, 1997.
[5] AQUINO, Tomás. Os Pensadores. São Paulo: Nova Cultural, 1996.

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